Reluzentes cadeiras de estofos escarlate essas que povoavam as tuas amplas salas, catedrais e mausoléus de glória e arte.
Ansiosas a cada nova sessão, como tão bem as habituaste, por saber quais os amores e traições reservadas a esse galã que, apesar de ser o mesmo de sempre, cheirava a novo. Fascinavam-se com as suas falas, rejubilavam de cada vez que a sua espada decepava um após o outro todo um exército de bárbaros, exaltaram com cada novo amor para por fim, no seu leito de morte chorarem desalmadamente, após míticos dragões e bestas derrotadas a sua existência cessava por força do velho inimigo – o tempo esse que não perdoa.
Foram o conforto de milhares, com eles riram, gritaram de horror até à exaustão e desesperaram com os dramas e os romances impossíveis. As mais fiéis companheiras que um amante da sétima arte pode encontrar nesse mundo aparte que Tu e só Tu poderias criar. Forrado a negro, com as tuas letras tatuadas em tons de sangue pelas tuas filas que desciam suavemente rumo ao palco dos sonhos onde tudo é possível e o nosso imaginário pode vezes sem conta correr livre e inocente.
Ensinaste como as estrelas beijam a noite e como a areia seduz as ondas do mar, ensinaste que a miséria da vida é suplantada por efémeros momentos de pura alegria.
Deliciaste crianças com os teus contos fantásticos dos grandes heróis da história, aterrorizaste com alguns dos mais horrendos vilões que algum dia tiveram o desprazer de conhecer. Gelaste-me de medo deixando-me sozinho no meio daquele oceano de silêncio e escuridão para logo de seguida me aqueceres com o fogo do teu projector e as melodias que das tuas negras colunas saíam incessantemente.
Como se puderam esquecer de ti e entregar-te de forma tão decidida ás aranhas, como puderam deixar que o teu negro fosse acinzentado pelas inúmeras teias que tingiram as tuas paredes, como deixaram o pó tocar no teu soberbo projector, como diz-me como!? O escarlate está agora manchado com as lágrimas que vertes após tantos anos a fabricar alegrias e fantasias. O teu ar clássico marcou toda uma geração, filhos foram pais, foram avós mas, Tu nunca mudaste e uns após os outros a todos foste refúgio e fonte de inspiração.
Como puderam fazer-te isto, deixar-te morrer assim e pior que isso, sem nunca se terem despedido de ti. Tu que foste mentor e professor, foste pai, irmão e filho mas muito mais que isso...
...foste Cinema Paraíso.
05h59
7 de Julho, 2010
2 comentários:
Muito bom texto. Foi sim, de facto, um cinema paraíso... Muita pena partilho.
Abraço.
gostei principalmente das letras tatuadas a sangue nas filas que desciam suavemente...
muito bem, jimmy
Enviar um comentário