quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O Cronocida - Capítulo I - Exolotic



Através das ruelas estreitas e obscuras de Exolotic um vulto movia-se de forma rápida mas silenciosa, permitindo vislumbrar pouco mais que a projecção da sua sombra aqui e acolá por um ou outro candeeiro de rua.

Exolotic era uma cidade reconstruída tal como muitas outras no entanto esta tinha uma particularidade que a seu tempo vos contarei.
Certo é que após aquele estranho acontecimento, onde antes havia betão armado e altos esqueletos metálicos existiam agora terra e árvores semi-derrubadas mas mais incrível que tudo o que ali se podia ver e sentir era a estranha radiação que era possível detectar naquela área, não era uma radiação conhecida ao homem, era totalmente desconhecida, algo novo e como tal passível de ser perigosa ou não. No entanto, temendo os eventuais efeitos daquela estranha força da natureza muitos clamaram que seria totalmente desaconselhável reerguer a cidade naquele mesmo local. Optou-se assim por deslocar a cidade cerca de 50 quilómetros a nordeste da antiga cidade, criando-se à volta desta um perímetro de isolamento com cerca de 20 quilómetros de raio.

Certo é que a antiga Exlotic havia sido retomada pela Natureza e agora grande parte dos seus edifícios semi-colapsados, ruas e avenidas encontravam-se pintados em tons de verde, um verde que representava tanto a vitalidade como também o abandono. Era triste olhar para toda aquela desolação, aquele abandono. Vislumbrar aquele cenário e pensar que outrora ali se desenrolaram tantas vidas, tantas felicidades e tristezas, tantos amores... A existência humana aparentava ter sido totalmente erradicada daquela zona, era de novo selvagem, terra virgem onde haviam inclusive reaparecido espécies que há muito eram dadas como extintas, aqueles 2800 quilometros quadrados eram agora sinónimo de regeneração.

A nova localização de Exolotic, diga-se, era bastante agradável. Situava-se num belo e verdejante vale irrigado por um rio que serpenteava desde as altas montanhas do interior - "É a terra prometida!"- diziam uns - "Ainda está demasiado perto, vão-se arrepender!" - palravam os mais cépticos. No entanto a decisão estava tomada, a reconstrução da cidade avançou.
Mais um reduto da natureza havia assim desaparecido.
Os imponentes pinheiros bravos haviam sido trocados por frios candeeiros de aço, a terra e a vegetação encontravam-se sufocadas pelo esguio betão e os belos rochedos que em grande abundância podiam ser visto tinham no seu lugar largos e sombrios blocos de apartamentos, quanto aos seus novos animais... bem, acho que dispensam qualquer apresentação.

Estava assim reconstruída uma sociedade que aparentava ser funcional, apenas aparentava... Desde a destruição da antiga, a localização da mesma não era a única coisa de diferente. As pessoas tornaram-se fechadas, contidas mas acima de tudo, temerosas a algo que desconheciam por completo e que não sabiam quando poderia voltar a acontecer. Esse é o pior dos medos, de algo que não conhecemos nem sabemos quando irá atacar, sem dúvida essa será a maior angústia - "Quando voltará a atacar? De que modo? Porquê? Que fizemos nós?".

Não será portanto de admirar que a partir do momento em que o sol se põe no Vale de Exolotic as ruas, que de dia se encontram apinhadas de pessoas vivendo freneticamente as suas vidas ignorando-se umas às outras o mais que podem, tornam-se locais desertos onde apenas marcam presença os mosquitos esvoaçando sobre uma qualquer fonte luminosa.

Exolotic era uma cidade de duas faces, sendo a sua face nocturna ainda pior que a diurna. Largas avenidas vazias e cheias do nada que era o tudo do dia a dia. Cinzentas e vis davam a ideia de estarem progressivamente a morrer. Alguma vez viram metal a derreter por efeito do calor? Pois bem, é exactamente assim que podemos descrever esse lento acontecimento... E a verdade era apenas uma...."Ainda estava demasiado perto...".

Com o tempo estranhos acontecimentos tiveram lugar, desde o céu com um tom estranhamente alaranjado na alvorada. Era quase como se... para Exolotic o tempo tivesse não só congelado como também recuasse... A natureza foi a primeira a aperceber-se da diferença, o raiar tal como o descrevi tingia os céus de laranja enquanto que o crepúsculo se caracterizava pelo típico nevoeiro matinal e o céu num tom azul carregado. O que isso poderia significar era uma pergunta para a qual não havia uma resposta... Pelos menos uma que fizesse sentido ou fosse coerente, porque profetas da desgraça isso há sempre.
Mas não fosse a espécie em questão o Homo Sapiens Sapiens, talvez pudesse ter existido um outro cuidado, uma maior preocupação. Uma vez mais optou-se por.... esquecer...quem sabe, por medo. Se o nosso mundo de um momento para o outro começasse a regredir e nada fosse o que uma vez foi quantos de nós não gostariam de tentar esquecer isso e parar num momento temporal distinto, aquele que mais nos convém e agrada fosse ele passado, presente ou quem sabe talvez futuro...
Claro que a recusa do tempo trás sempre graves consequências, quanto mais não seja a alienação da Natureza em que estamos inseridos, deixamos de possuir aquela ligação que todos os seres humanos possuem com o ambiente que integram, sentimos que nada mais nos prende aquele local, aquele tempo.

Mas claro, há sempre excepções. Daken...