sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Diários de Calico #2

Viver em Calico não era propriamente fácil, era um território ingrato que não dava nada sem contrapartidas; não rendia a sua riqueza à ambição humana sem antes reclamar o seu preço no sofrimento que estampava nas caras de outros que tal como o meu pai ali chegaram atraídos pelo seu traiçoeiro canto de felicidade e prosperidade.
Era uma terra inóspita, trabalhada solo a solo, sem outra cor senão o castanho do pó e o laranja nos confins do seu horizonte, onde a terra abraça o céu.

Apesar de tudo quando exigia a vida nesta pequena cidade estava longe de ser um inferno, era um exemplo vivo do sonho americano, dia após dia, semana após semana inúmeros eram os que chegavam atrás da prometida vida nova que Calico aparentava oferecer, longe de toda a miséria a que alguns pareciam condenados.

Lembro-me especialmente daqueles finais de tarde depois do jantar, no alpendre de nossa casa. A minha mãe ia-se sentar na cadeira de baloiço levando com ela as suas agulhas e começava a tricotar a mais variadas peças de vestuário, desde uma camisola de lã de cores berrantes e capaz de embaraçar qualquer rapaz de 6 anos até um qualquer par de meias... Enquanto isso já o meu pai se havia instalado confortavelmente no seu habitual lugar e acendido o seu fiel cachimbo de madeira, já negra e marcada pelo passar dos anos, ficando então a fumegar em silêncio enquanto olhava o horizonte com encanto, durante anos não fui capaz de perceber ao certo que fascínio poderia ele ver numa planície indomável e sem fim...

Para mim aquela era a melhor altura do dia, na maioria das vezes ficava sentado nas escadas, imóvel e calado, a ouvir as pessoas que passavam dum lado para o outro, na maioria das vezes sujas e cansadas, mas sempre com um sorriso na cara.
Era uma terra mágica que encantava todos quantos a ela chegavam com intenção de não mais a deixar fosse porque razão fosse.

Recordo-me do dia em que perguntei ao meu pai porque razão tantos largavam tudo quanto tinham e para aqui rumavam sem nada mais que uma incerta promessa de prosperidade...
Não me soube dar uma resposta concreta, apenas foi capaz de esboçar um sorriso...


Eles simplesmente acreditavam em ti, Calico.

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