sábado, 12 de março de 2011

Diários de Calico #12

Creio, meus fiéis companheiros, ter chegado a hora de finalmente vos desvendar o final desta tempestuosa história de amor. Faço-o enquanto lá fora a chuva cai impiedosa sobre o mundo não deixando escapar nada à sua fúria; foi numa noite tal e qual como esta que Patrick Williams irrompeu pelo quarto de De Lil como se o fim do mundo estivesse eminente. Não disse nem uma palavra, simplesmente tomou a sua mão e confessou-lhe que não aguentava nem mais um momento sem poder saber que para sempre a teria por companheira, que não aguentava a incerteza de quando seria agraciado pelo seu próximo beijo ou tão somente pelo perfume dos seus cabelos tão selvaticamente encaracolados. Clarence estava sem reacção, era como se do nada todo um novo mundo tivesse sido revelado mesmo á sua frente, não foi capaz de responder… apenas foi capaz de se entregar nos braços de Williams.

Calico nem queria acreditar, na manhã seguinte, no convite que se encontrava afixado na porta do Saloon, o convite para o casamento de Patrick Williams e Clarence De Lil. A estupefacção era geral, nunca ninguém fora sequer capaz de imaginar que um homem tão aparentemente vil quanto Bill pudesse ser apologista do casamento mas a verdade meus amigos é tão-somente esta: Williams não era um homem novo, mas sentia-se como tal.
A cerimónia teria lugar passados sete dias na pequena capela de Calico que parecia ser tão pequena para selar um amor tão intenso e incerto quanto o daqueles dois.

O dia chegou e a pequena e humilde capela parecia agora capaz de rivalizar com as mais belas e requintadas Catedrais românicas que povoam essa França ou essa Itália. Enormes arranjos florais adornavam os bancos, tapetes vermelhos estendiam-se ao longo da nave, fitas do mais brilhante cetim caíam deste o tecto em direcção ao chão e o altar esse nem parecia o mesmo tal era o cuidado com que havia sido preparado.

Clarence havia-se decidido por não usar uma cor tão neutra quanto o Branco, ao invés disso optara por um magnífico vestido de veludo escarlate que lhe assentava na perfeição, era arrojado mas mantinha a classe e o glamour a que havia habituado aquela pequena cidade.
Williams optara por usar um fraque preto com uma camisa branca e um gravatão preto que tão popular era entre os membros da realeza britânica. No bolso do peito optara por levar uma rosa branca em vez do popular lenço dobrado em losango.
Apesar da escolha pouco ortodoxa que ambos fizeram há que admitir que a combinação era perfeita e julgo ainda estar para chegar o dia em que se veja um casal de noivos tão bem entrelaçado em tudo, não só nos trajes escolhidos como também nos olhares ou nos suspiros.

*

Antes de me adiantar mais façamos uma pequena pausa para contar algo que considero importantíssimo e que por um enorme erro omiti, quem sabe entusiasmado por esta bela história de amor. Antes de Williams ter chegado à cidade, Clarence era constantemente cortejada por um jovem oficial do Ministério da Justiça que se encontrava ali destacado, de seu nome John Harvey Booth.
Apesar do posto que ocupava Booth não era de todo uma pessoa bem formada, tinha alguma educação sim e chegara inclusive a estudar em Harvard de onde viria a ser expulso por em certa altura ter ameaçado um professor que o boxearia à inglesa. Em muita verdade apenas havia obtido aquele cargo graças à ajuda do seu irmão que era um influente político no estado da Califórnia.
Acontece que Clarence nunca vira o que quer que fosse em John Harvey para além de um menininho da cidade que nunca tivera de se esforçar por nada na vida e que agora acabava ali com um ganha-pão que não merecia. Várias e frustradas foram as tentativas de Booth para agradar a De Lil mas esta sempre respondeu às suas investidas com uma maciça muralha de desinteresse. Foi no meio desta desajeitada corte que Patrick Williams chegou aquele paraíso da Califórnia que todos conhecemos por Calico.

Como devem depreender, nada do que se seguira agradara a John, contudo ele sempre mantera a esperança que tal como fizera com outros Clarence afastasse Bill. A linha de raciocínio era lógica, só houve uma pequena possibilidade que não havia sido tida em conta: A de Clarence se apaixonar verdadeiramente tal como sucedeu.

*

Eis-nos assim no dia do casamento, um soalheiro 17 de Março, a marcha nupcial percorria e enchia toda a cidade e De Lil entrava, escoltada pelo telegrafista, seu amigo de longa data, deslumbrando todos com a beleza do seu vestido. Tudo parecia normal até que Clarence entre sorrisos depara-se com um altar vazio, Williams não estava onde tão apaixonadamente uma semana antes havia jurado estar, deteve-se, o sorriso rapidamente desapareceu, o ramo de rosas caiu pelo chão e com ele a música, fez-se um silêncio agoniante enquanto Lil olhava desesperada em todas as direcções tentando entender o que se passava.

Nesse preciso momento uma série de tiros ecoam pelo ar e Clarence sai a correr da igreja em pânico temendo por aquilo que sempre se havia recusado a acreditar: e se, Patrick Williams fosse realmente um escumalha do piorio?

Fora da igreja, no largo, estavam paradas várias carruagens daquilo que hoje seria conhecido por FBI. Então esses mesmos oficiais de justiça tinham a designação de Marshall. Aparentemente haviam seguido uma pista que localizava o assaltante do Banco Federal de São Francisco ali, na pequena Calico, e encontravam-se agora a cercar o Saloon de De Lil onde segundo as suas ‘fontes’ indicavam se escondia o patife. Haviam disparado tiros de aviso para que este se entregasse e esperavam agora uma reacção.
Subitamente uma das portas do Saloon abre-se e de dentro sai não mais não menos que Patrick Williams, vestindo o seu belo fraque, que se dirigia desarmado para os oficiais para se entregar quando de repente uma bala é disparada e atinge Bill no peito fazendo este cair quase como um espantalho. O atirador havia sido nada mais nada menos que o desgraçado John Harvey Booth que, cego pela ira e inveja que sentia por Williams, disparara inconsequentemente alegando a perigosidade daquele criminoso que nunca dera ares de tal.

Clarence observara toda este cena em choque, quando finalmente reagiu gritou a plenos pulmões enquanto corria na direcção de Williams que, ali estendido, se esvaía em sangue. Quando finalmente o consegue abraçar e deitar no seu colo não consegue evitar que as lágrimas lhe escorram da sua cara em direcção à dele. Havia perdido o seu Norte, Sul, havia perdido tudo num irreflectido e ignorante disparo. Simplesmente não conseguia parar de berrar de pânico, medo, desespero… Williams não conseguia falar mas foi capaz de alcançar a mão de De Lil, beija-la muito lenta e calmamente e de seguida depositar nela a rosa outrora branca do seu casaco e agora tingida de vermelho pelo sangue que turbulento saia do seu peito. Não foi capaz de fazer mais nada senão esboçar um sorriso e murmurar ‘Até sempre minha rosa selvagem’.

Certamente ficarão agradados em saber que John Harvey Booth foi acusado de homicídio em primeiro grau, crime que na altura e no estado em questão era punível com pena de morte mas percam já a alegria… novamente a sorte voltou a sorrir a quem menos merecia e Booth ficou apenas preso para a vida.

Já De Lil ficara com muito mais que uma rosa ensanguentada, tinha no seu ventre uma bela flor deixada por Williams, no entanto as memórias dele naquele lugar eram imensas e nunca as conseguiria ultrapassar, restava-lhe por isso a solução de regressar à sua amada São Francisco de onde partira fazia dez anos.

Julgo que por esta altura, como bom anfitrião que tento ser, vos deva falar um pouco sobre mim, chamo-me Sean Patrick Williams e nasci onde vocês muito certeiramente estão a pensar. Só não sou filho de quem vocês estariam a pressupor. Ele era meu avô.

3 comentários:

H disse...

Um final imprevisível, carregado de um toque emocional bastante tenso. Muito bom e realmente surpreendente. Gostei bastante (;

Aco' disse...

Está espectacular! Adoreiii!! A sério e apesar de parecer ou não previsível para mim não foi xD Cheguei até mesmo pensar que quem morria era ela, e que realmente ele era um criminoso ao ponto de a matar x)

Rita Leão disse...

Fabuloso! Inesperado! Extraordinário! Adorava ter a tua capacidade de escrita e de inovação. Estou em êxtase, adorei. Acho que está lindo, uma obra de arte! Parabéns, espero que continues a escrever.