Fade to Black
Porque no fim toda a matéria se desvanece no vazio, toda a alegria no desespero, toda a esperança na angústia, toda a luz na escuridão, todo o branco no preto. Tudo se desvanece, nada resta, apenas uma vida desvanecida em vidas.
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Regressos
São naturais, como é natural um pássaro voar ou uma primavera suceder-se a um Inverno. Que assim seja.
sábado, 12 de março de 2011
Diários de Calico #12
Creio, meus fiéis companheiros, ter chegado a hora de finalmente vos desvendar o final desta tempestuosa história de amor. Faço-o enquanto lá fora a chuva cai impiedosa sobre o mundo não deixando escapar nada à sua fúria; foi numa noite tal e qual como esta que Patrick Williams irrompeu pelo quarto de De Lil como se o fim do mundo estivesse eminente. Não disse nem uma palavra, simplesmente tomou a sua mão e confessou-lhe que não aguentava nem mais um momento sem poder saber que para sempre a teria por companheira, que não aguentava a incerteza de quando seria agraciado pelo seu próximo beijo ou tão somente pelo perfume dos seus cabelos tão selvaticamente encaracolados. Clarence estava sem reacção, era como se do nada todo um novo mundo tivesse sido revelado mesmo á sua frente, não foi capaz de responder… apenas foi capaz de se entregar nos braços de Williams.
Calico nem queria acreditar, na manhã seguinte, no convite que se encontrava afixado na porta do Saloon, o convite para o casamento de Patrick Williams e Clarence De Lil. A estupefacção era geral, nunca ninguém fora sequer capaz de imaginar que um homem tão aparentemente vil quanto Bill pudesse ser apologista do casamento mas a verdade meus amigos é tão-somente esta: Williams não era um homem novo, mas sentia-se como tal.
A cerimónia teria lugar passados sete dias na pequena capela de Calico que parecia ser tão pequena para selar um amor tão intenso e incerto quanto o daqueles dois.
O dia chegou e a pequena e humilde capela parecia agora capaz de rivalizar com as mais belas e requintadas Catedrais românicas que povoam essa França ou essa Itália. Enormes arranjos florais adornavam os bancos, tapetes vermelhos estendiam-se ao longo da nave, fitas do mais brilhante cetim caíam deste o tecto em direcção ao chão e o altar esse nem parecia o mesmo tal era o cuidado com que havia sido preparado.
Clarence havia-se decidido por não usar uma cor tão neutra quanto o Branco, ao invés disso optara por um magnífico vestido de veludo escarlate que lhe assentava na perfeição, era arrojado mas mantinha a classe e o glamour a que havia habituado aquela pequena cidade.
Williams optara por usar um fraque preto com uma camisa branca e um gravatão preto que tão popular era entre os membros da realeza britânica. No bolso do peito optara por levar uma rosa branca em vez do popular lenço dobrado em losango.
Apesar da escolha pouco ortodoxa que ambos fizeram há que admitir que a combinação era perfeita e julgo ainda estar para chegar o dia em que se veja um casal de noivos tão bem entrelaçado em tudo, não só nos trajes escolhidos como também nos olhares ou nos suspiros.
*
Antes de me adiantar mais façamos uma pequena pausa para contar algo que considero importantíssimo e que por um enorme erro omiti, quem sabe entusiasmado por esta bela história de amor. Antes de Williams ter chegado à cidade, Clarence era constantemente cortejada por um jovem oficial do Ministério da Justiça que se encontrava ali destacado, de seu nome John Harvey Booth.
Apesar do posto que ocupava Booth não era de todo uma pessoa bem formada, tinha alguma educação sim e chegara inclusive a estudar em Harvard de onde viria a ser expulso por em certa altura ter ameaçado um professor que o boxearia à inglesa. Em muita verdade apenas havia obtido aquele cargo graças à ajuda do seu irmão que era um influente político no estado da Califórnia.
Acontece que Clarence nunca vira o que quer que fosse em John Harvey para além de um menininho da cidade que nunca tivera de se esforçar por nada na vida e que agora acabava ali com um ganha-pão que não merecia. Várias e frustradas foram as tentativas de Booth para agradar a De Lil mas esta sempre respondeu às suas investidas com uma maciça muralha de desinteresse. Foi no meio desta desajeitada corte que Patrick Williams chegou aquele paraíso da Califórnia que todos conhecemos por Calico.
Como devem depreender, nada do que se seguira agradara a John, contudo ele sempre mantera a esperança que tal como fizera com outros Clarence afastasse Bill. A linha de raciocínio era lógica, só houve uma pequena possibilidade que não havia sido tida em conta: A de Clarence se apaixonar verdadeiramente tal como sucedeu.
*
Eis-nos assim no dia do casamento, um soalheiro 17 de Março, a marcha nupcial percorria e enchia toda a cidade e De Lil entrava, escoltada pelo telegrafista, seu amigo de longa data, deslumbrando todos com a beleza do seu vestido. Tudo parecia normal até que Clarence entre sorrisos depara-se com um altar vazio, Williams não estava onde tão apaixonadamente uma semana antes havia jurado estar, deteve-se, o sorriso rapidamente desapareceu, o ramo de rosas caiu pelo chão e com ele a música, fez-se um silêncio agoniante enquanto Lil olhava desesperada em todas as direcções tentando entender o que se passava.
Nesse preciso momento uma série de tiros ecoam pelo ar e Clarence sai a correr da igreja em pânico temendo por aquilo que sempre se havia recusado a acreditar: e se, Patrick Williams fosse realmente um escumalha do piorio?
Fora da igreja, no largo, estavam paradas várias carruagens daquilo que hoje seria conhecido por FBI. Então esses mesmos oficiais de justiça tinham a designação de Marshall. Aparentemente haviam seguido uma pista que localizava o assaltante do Banco Federal de São Francisco ali, na pequena Calico, e encontravam-se agora a cercar o Saloon de De Lil onde segundo as suas ‘fontes’ indicavam se escondia o patife. Haviam disparado tiros de aviso para que este se entregasse e esperavam agora uma reacção.
Subitamente uma das portas do Saloon abre-se e de dentro sai não mais não menos que Patrick Williams, vestindo o seu belo fraque, que se dirigia desarmado para os oficiais para se entregar quando de repente uma bala é disparada e atinge Bill no peito fazendo este cair quase como um espantalho. O atirador havia sido nada mais nada menos que o desgraçado John Harvey Booth que, cego pela ira e inveja que sentia por Williams, disparara inconsequentemente alegando a perigosidade daquele criminoso que nunca dera ares de tal.
Clarence observara toda este cena em choque, quando finalmente reagiu gritou a plenos pulmões enquanto corria na direcção de Williams que, ali estendido, se esvaía em sangue. Quando finalmente o consegue abraçar e deitar no seu colo não consegue evitar que as lágrimas lhe escorram da sua cara em direcção à dele. Havia perdido o seu Norte, Sul, havia perdido tudo num irreflectido e ignorante disparo. Simplesmente não conseguia parar de berrar de pânico, medo, desespero… Williams não conseguia falar mas foi capaz de alcançar a mão de De Lil, beija-la muito lenta e calmamente e de seguida depositar nela a rosa outrora branca do seu casaco e agora tingida de vermelho pelo sangue que turbulento saia do seu peito. Não foi capaz de fazer mais nada senão esboçar um sorriso e murmurar ‘Até sempre minha rosa selvagem’.
Certamente ficarão agradados em saber que John Harvey Booth foi acusado de homicídio em primeiro grau, crime que na altura e no estado em questão era punível com pena de morte mas percam já a alegria… novamente a sorte voltou a sorrir a quem menos merecia e Booth ficou apenas preso para a vida.
Já De Lil ficara com muito mais que uma rosa ensanguentada, tinha no seu ventre uma bela flor deixada por Williams, no entanto as memórias dele naquele lugar eram imensas e nunca as conseguiria ultrapassar, restava-lhe por isso a solução de regressar à sua amada São Francisco de onde partira fazia dez anos.
Julgo que por esta altura, como bom anfitrião que tento ser, vos deva falar um pouco sobre mim, chamo-me Sean Patrick Williams e nasci onde vocês muito certeiramente estão a pensar. Só não sou filho de quem vocês estariam a pressupor. Ele era meu avô.
Calico nem queria acreditar, na manhã seguinte, no convite que se encontrava afixado na porta do Saloon, o convite para o casamento de Patrick Williams e Clarence De Lil. A estupefacção era geral, nunca ninguém fora sequer capaz de imaginar que um homem tão aparentemente vil quanto Bill pudesse ser apologista do casamento mas a verdade meus amigos é tão-somente esta: Williams não era um homem novo, mas sentia-se como tal.
A cerimónia teria lugar passados sete dias na pequena capela de Calico que parecia ser tão pequena para selar um amor tão intenso e incerto quanto o daqueles dois.
O dia chegou e a pequena e humilde capela parecia agora capaz de rivalizar com as mais belas e requintadas Catedrais românicas que povoam essa França ou essa Itália. Enormes arranjos florais adornavam os bancos, tapetes vermelhos estendiam-se ao longo da nave, fitas do mais brilhante cetim caíam deste o tecto em direcção ao chão e o altar esse nem parecia o mesmo tal era o cuidado com que havia sido preparado.
Clarence havia-se decidido por não usar uma cor tão neutra quanto o Branco, ao invés disso optara por um magnífico vestido de veludo escarlate que lhe assentava na perfeição, era arrojado mas mantinha a classe e o glamour a que havia habituado aquela pequena cidade.
Williams optara por usar um fraque preto com uma camisa branca e um gravatão preto que tão popular era entre os membros da realeza britânica. No bolso do peito optara por levar uma rosa branca em vez do popular lenço dobrado em losango.
Apesar da escolha pouco ortodoxa que ambos fizeram há que admitir que a combinação era perfeita e julgo ainda estar para chegar o dia em que se veja um casal de noivos tão bem entrelaçado em tudo, não só nos trajes escolhidos como também nos olhares ou nos suspiros.
*
Antes de me adiantar mais façamos uma pequena pausa para contar algo que considero importantíssimo e que por um enorme erro omiti, quem sabe entusiasmado por esta bela história de amor. Antes de Williams ter chegado à cidade, Clarence era constantemente cortejada por um jovem oficial do Ministério da Justiça que se encontrava ali destacado, de seu nome John Harvey Booth.
Apesar do posto que ocupava Booth não era de todo uma pessoa bem formada, tinha alguma educação sim e chegara inclusive a estudar em Harvard de onde viria a ser expulso por em certa altura ter ameaçado um professor que o boxearia à inglesa. Em muita verdade apenas havia obtido aquele cargo graças à ajuda do seu irmão que era um influente político no estado da Califórnia.
Acontece que Clarence nunca vira o que quer que fosse em John Harvey para além de um menininho da cidade que nunca tivera de se esforçar por nada na vida e que agora acabava ali com um ganha-pão que não merecia. Várias e frustradas foram as tentativas de Booth para agradar a De Lil mas esta sempre respondeu às suas investidas com uma maciça muralha de desinteresse. Foi no meio desta desajeitada corte que Patrick Williams chegou aquele paraíso da Califórnia que todos conhecemos por Calico.
Como devem depreender, nada do que se seguira agradara a John, contudo ele sempre mantera a esperança que tal como fizera com outros Clarence afastasse Bill. A linha de raciocínio era lógica, só houve uma pequena possibilidade que não havia sido tida em conta: A de Clarence se apaixonar verdadeiramente tal como sucedeu.
*
Eis-nos assim no dia do casamento, um soalheiro 17 de Março, a marcha nupcial percorria e enchia toda a cidade e De Lil entrava, escoltada pelo telegrafista, seu amigo de longa data, deslumbrando todos com a beleza do seu vestido. Tudo parecia normal até que Clarence entre sorrisos depara-se com um altar vazio, Williams não estava onde tão apaixonadamente uma semana antes havia jurado estar, deteve-se, o sorriso rapidamente desapareceu, o ramo de rosas caiu pelo chão e com ele a música, fez-se um silêncio agoniante enquanto Lil olhava desesperada em todas as direcções tentando entender o que se passava.
Nesse preciso momento uma série de tiros ecoam pelo ar e Clarence sai a correr da igreja em pânico temendo por aquilo que sempre se havia recusado a acreditar: e se, Patrick Williams fosse realmente um escumalha do piorio?
Fora da igreja, no largo, estavam paradas várias carruagens daquilo que hoje seria conhecido por FBI. Então esses mesmos oficiais de justiça tinham a designação de Marshall. Aparentemente haviam seguido uma pista que localizava o assaltante do Banco Federal de São Francisco ali, na pequena Calico, e encontravam-se agora a cercar o Saloon de De Lil onde segundo as suas ‘fontes’ indicavam se escondia o patife. Haviam disparado tiros de aviso para que este se entregasse e esperavam agora uma reacção.
Subitamente uma das portas do Saloon abre-se e de dentro sai não mais não menos que Patrick Williams, vestindo o seu belo fraque, que se dirigia desarmado para os oficiais para se entregar quando de repente uma bala é disparada e atinge Bill no peito fazendo este cair quase como um espantalho. O atirador havia sido nada mais nada menos que o desgraçado John Harvey Booth que, cego pela ira e inveja que sentia por Williams, disparara inconsequentemente alegando a perigosidade daquele criminoso que nunca dera ares de tal.
Clarence observara toda este cena em choque, quando finalmente reagiu gritou a plenos pulmões enquanto corria na direcção de Williams que, ali estendido, se esvaía em sangue. Quando finalmente o consegue abraçar e deitar no seu colo não consegue evitar que as lágrimas lhe escorram da sua cara em direcção à dele. Havia perdido o seu Norte, Sul, havia perdido tudo num irreflectido e ignorante disparo. Simplesmente não conseguia parar de berrar de pânico, medo, desespero… Williams não conseguia falar mas foi capaz de alcançar a mão de De Lil, beija-la muito lenta e calmamente e de seguida depositar nela a rosa outrora branca do seu casaco e agora tingida de vermelho pelo sangue que turbulento saia do seu peito. Não foi capaz de fazer mais nada senão esboçar um sorriso e murmurar ‘Até sempre minha rosa selvagem’.
Certamente ficarão agradados em saber que John Harvey Booth foi acusado de homicídio em primeiro grau, crime que na altura e no estado em questão era punível com pena de morte mas percam já a alegria… novamente a sorte voltou a sorrir a quem menos merecia e Booth ficou apenas preso para a vida.
Já De Lil ficara com muito mais que uma rosa ensanguentada, tinha no seu ventre uma bela flor deixada por Williams, no entanto as memórias dele naquele lugar eram imensas e nunca as conseguiria ultrapassar, restava-lhe por isso a solução de regressar à sua amada São Francisco de onde partira fazia dez anos.
Julgo que por esta altura, como bom anfitrião que tento ser, vos deva falar um pouco sobre mim, chamo-me Sean Patrick Williams e nasci onde vocês muito certeiramente estão a pensar. Só não sou filho de quem vocês estariam a pressupor. Ele era meu avô.
sábado, 26 de fevereiro de 2011
Diários de Calico #11
Se havia um prazer da vida que Clarence apreciava era a dança, toda a gente o sabia mas acontecia que ninguém conseguia atraí-la por essa forma de arte, não que ela fosse superficial, muito pelo contrário. De Lil era uma exímia dançarina, de uma classe a nível que ninguém conseguira igualar até então. Acontece que no então chegara o nosso já velho conhecido Patrick Williams, que apesar de toda a sua aura carregada de maldade e patifaria era um categórico dançarino, faceta essa que De Lil até então desconhecia por completo até um pacato dia em que pelo seu Saloon ecoava uma típica valsa austríaca que na altura tanto destoava do típico Swing que era moda.
Não que isso desagradasse por completo a Bill, apesar de tudo o que já relatei dele admito em parte que talvez tenha exagerado… ele tinha em si alguma sofisticação, especialmente a nível de bom gosto musical, não era requintado ou elitista mas sim capaz de se contentar somente com o melhor, e uma suave valsa enchia as suas medidas. Mas qual não foi o seu espanto ao aperceber-se que além de um requintado gosto De Lil também partilhava do seu prazer pela dança, foi então que, pegando a sua mão quase sem pedir permissão; a lentidão do seu suave gesto havia requisitado toda e qualquer permissão possível e imaginária, à qual era timidamente não soube dizer que não.
Executou na perfeição a saudação típica à qual uma ainda atónita De Lil respondeu com a sua, para logo de seguida Patrick tomar delicadamente a sua cintura e estendo a sua mão esquerda, à qual Clarence não teve como recusar, deslizou suavemente pelas velhas tábuas do soalho mas fê-lo de uma maneira tão perfeita que parecia que o chão era o de um dos mais requintados salões de dança da iluminada Viena. Juntos valsejaram durante longos minutos, executando as voltas e contravoltas na perfeição deixara a madame completamente maravilhada mas não rendida, ainda, foi então que quase por magia a música saltara de uma adormecida valsa para um vivo e tempestuoso swing, daqueles dignos de deixar mesmo um experiente pianista à beira do colapso tal era a intensidade com as notas saltavam de tecla a tecla, com que as cordas vibravam no contrabaixo ou com a fúria com o ar corria os tubos do trompete.
Mas nem isso chegava para se equiparar à determinação com que Williams mudara o passo e o ritmo da dança, Clarence não era de todo a praticante mais versada do Swing mas nos seus braços, embalada pelo azul dos seus olhos e o preto dos seus cabelos nenhuma dança parecia impossível ou inalcançável, quer fosse a passos rápidos que permitiam aos seus cabelos meio encaracolados voar livremente ou rodopiando segundo um apoio tão firme que era o corpo de Patrick ela encontrava-se completamente rendida àquele estranho personagem a quem já tanto amava e ainda assim tão pouco conhecia…
Não que isso desagradasse por completo a Bill, apesar de tudo o que já relatei dele admito em parte que talvez tenha exagerado… ele tinha em si alguma sofisticação, especialmente a nível de bom gosto musical, não era requintado ou elitista mas sim capaz de se contentar somente com o melhor, e uma suave valsa enchia as suas medidas. Mas qual não foi o seu espanto ao aperceber-se que além de um requintado gosto De Lil também partilhava do seu prazer pela dança, foi então que, pegando a sua mão quase sem pedir permissão; a lentidão do seu suave gesto havia requisitado toda e qualquer permissão possível e imaginária, à qual era timidamente não soube dizer que não.
Executou na perfeição a saudação típica à qual uma ainda atónita De Lil respondeu com a sua, para logo de seguida Patrick tomar delicadamente a sua cintura e estendo a sua mão esquerda, à qual Clarence não teve como recusar, deslizou suavemente pelas velhas tábuas do soalho mas fê-lo de uma maneira tão perfeita que parecia que o chão era o de um dos mais requintados salões de dança da iluminada Viena. Juntos valsejaram durante longos minutos, executando as voltas e contravoltas na perfeição deixara a madame completamente maravilhada mas não rendida, ainda, foi então que quase por magia a música saltara de uma adormecida valsa para um vivo e tempestuoso swing, daqueles dignos de deixar mesmo um experiente pianista à beira do colapso tal era a intensidade com as notas saltavam de tecla a tecla, com que as cordas vibravam no contrabaixo ou com a fúria com o ar corria os tubos do trompete.
Mas nem isso chegava para se equiparar à determinação com que Williams mudara o passo e o ritmo da dança, Clarence não era de todo a praticante mais versada do Swing mas nos seus braços, embalada pelo azul dos seus olhos e o preto dos seus cabelos nenhuma dança parecia impossível ou inalcançável, quer fosse a passos rápidos que permitiam aos seus cabelos meio encaracolados voar livremente ou rodopiando segundo um apoio tão firme que era o corpo de Patrick ela encontrava-se completamente rendida àquele estranho personagem a quem já tanto amava e ainda assim tão pouco conhecia…
Divine Moments of Truth #1
Never be crystal clear to others under the vain expectancy that others will be the same to you, they simply won’t, they’ll just break your crystal and leave its dust on the floor for you to clean.
You can try and be the nicest person possible to the others but trust me, it just won’t take you anywhere, little interest do we take to those willing to waste some of their time help or just standing by us, and why? Because we take it as granted, we know they no matter what will always be there… until the day they won’t.
Being a patient person not always gives you the upperhand in life, in fact, few are the times it does, most of the times it just makes you waste your precious lifetime.
Don’t give a fuck if people blame you of being a mean person, just be yourself and profit eventually will come and in fact, most of the people probably deserved such treatment. Harm others before others harm you, the rest is really not that important.
Stop complaining that someone broke your heart, get used to it because that’s what most people do, they break hearts while some will heal yours, but don’t expect them to do so if you insist on hiding it, they might be healears but they sure as hell ain’t some fuckin’ clairvoyants.
Don’t whine that you feel miserable at some point in your life, chances are you totally guided yourself to the step you currently stand and in fact you already know how to snap out of it, you just don’t want cause you are either too stubborn or idiot to do so, so it’s totally your own fault and stop blaming others for your own stupidity.
When someone tells you ‘I promise’ or ‘I’ll make it my lifetime quest’ rarely expect them not to forget such on the next half an hour but be aware that some people might live up to that promise and you really wouldn’t want to miss someone like that, or would you? Chances are you will, cause you’d be too scared or simply too lazy to give them a chance to prove it.
You can try and be the nicest person possible to the others but trust me, it just won’t take you anywhere, little interest do we take to those willing to waste some of their time help or just standing by us, and why? Because we take it as granted, we know they no matter what will always be there… until the day they won’t.
Being a patient person not always gives you the upperhand in life, in fact, few are the times it does, most of the times it just makes you waste your precious lifetime.
Don’t give a fuck if people blame you of being a mean person, just be yourself and profit eventually will come and in fact, most of the people probably deserved such treatment. Harm others before others harm you, the rest is really not that important.
Stop complaining that someone broke your heart, get used to it because that’s what most people do, they break hearts while some will heal yours, but don’t expect them to do so if you insist on hiding it, they might be healears but they sure as hell ain’t some fuckin’ clairvoyants.
Don’t whine that you feel miserable at some point in your life, chances are you totally guided yourself to the step you currently stand and in fact you already know how to snap out of it, you just don’t want cause you are either too stubborn or idiot to do so, so it’s totally your own fault and stop blaming others for your own stupidity.
When someone tells you ‘I promise’ or ‘I’ll make it my lifetime quest’ rarely expect them not to forget such on the next half an hour but be aware that some people might live up to that promise and you really wouldn’t want to miss someone like that, or would you? Chances are you will, cause you’d be too scared or simply too lazy to give them a chance to prove it.
Diários de Calico #10
Mas se o meu último relato vos faz navegar na mera ilusão de que Patrick e Clarence acabaram juntos então julgo ser meu o dever de vos retirar desse armadilhado pensamento. Em muito boa verdade Patrick Williams era um escumalha do pior que tanta sofisticação e bons modos escondiam de uma forma quase mágica, digno de um mestre do ilusionismo.
Havia uma razão para ele ali estar, ao contrário do que os contos sugiram os príncipes encantados não surgem do nada montados no seu reluzente cavalo branco por entre as brumas primaveris, nem tão pouco eles se destinam a senhoras como De Lil, os príncipes são para princesas e De Lil não era uma nem de perto nem de longe…
Infelizmente de gentleman Patrick Williams só tinha mesmo a fama, era um foragido da justiça que havia assaltado um banco em São Francisco e pelo caminho alvejado mortalmente um pequeno moço que vendia jornais e que por um macabro acaso foi apanhado no meio da troca de tiros entre ele e as forças da autoridade.
Tentando refugiar-se não só das incessantes buscas pela sua pessoa mas também para esquecer a jovem vida que tão abrupta e acidentalmente roubara Bill rumou a Calico, que tal como para muitos outros era senão um El Dorado no meio do deserto.
Apesar da sua falta de escrúpulos não se considerava um rude e cruel assassínio nem tão pouco considerava uma vida humana como um sacrifício aceitável para atingir os seus objectivos e aquele pequeno rapaz de olhos arregalados agora vazados de vida seria algo que lhe perduraria e perseguiria para sempre.
Como já devem ter entendido, Williams é o típico anti herói que apesar de ser um patife encanta com o seu malévolo e misterioso passado, e o facto de ter tão vilmente cessado com uma vida que ia na sua primavera não serve senão para aguçar a curiosidade neste sombrio personagem.
Tal como vós, caros leitores, também De Lil não conseguiu resistir a estes negros encantos e caiu no seu jugo de amor e sedução mas para aqueles que possam pensar que ela o fez sem o menor dos cuidados desengane-se, De Lil cedo percebeu que Williams não era aquilo que tão discretamente tentava aparentar mas percebeu igualmente que havia algo nele que a fascinava e talvez, quem sabe, se tenha deixado iludir sob a ingénua esperança de que o pudesse controlar na impossibilidade de o mudar.
Se mo perguntassem diria que Patrick e Clarence nunca confiaram realmente um no outro, nenhum deles esperava que o outro abdicasse do que quer que fosse em prol do outro, nenhum tinha irrisórias esperanças ou sonhos de uma vida partilhada a dois, viam-se como duas matreiras raposas que, dentro dos limites do humanamente aceitável, tinham uma relação que assentava num entendimento mútuo e respeito mas, até nestes casos o amor pode vir a surgir... Improvável, mas não impossível...
Havia uma razão para ele ali estar, ao contrário do que os contos sugiram os príncipes encantados não surgem do nada montados no seu reluzente cavalo branco por entre as brumas primaveris, nem tão pouco eles se destinam a senhoras como De Lil, os príncipes são para princesas e De Lil não era uma nem de perto nem de longe…
Infelizmente de gentleman Patrick Williams só tinha mesmo a fama, era um foragido da justiça que havia assaltado um banco em São Francisco e pelo caminho alvejado mortalmente um pequeno moço que vendia jornais e que por um macabro acaso foi apanhado no meio da troca de tiros entre ele e as forças da autoridade.
Tentando refugiar-se não só das incessantes buscas pela sua pessoa mas também para esquecer a jovem vida que tão abrupta e acidentalmente roubara Bill rumou a Calico, que tal como para muitos outros era senão um El Dorado no meio do deserto.
Apesar da sua falta de escrúpulos não se considerava um rude e cruel assassínio nem tão pouco considerava uma vida humana como um sacrifício aceitável para atingir os seus objectivos e aquele pequeno rapaz de olhos arregalados agora vazados de vida seria algo que lhe perduraria e perseguiria para sempre.
Como já devem ter entendido, Williams é o típico anti herói que apesar de ser um patife encanta com o seu malévolo e misterioso passado, e o facto de ter tão vilmente cessado com uma vida que ia na sua primavera não serve senão para aguçar a curiosidade neste sombrio personagem.
Tal como vós, caros leitores, também De Lil não conseguiu resistir a estes negros encantos e caiu no seu jugo de amor e sedução mas para aqueles que possam pensar que ela o fez sem o menor dos cuidados desengane-se, De Lil cedo percebeu que Williams não era aquilo que tão discretamente tentava aparentar mas percebeu igualmente que havia algo nele que a fascinava e talvez, quem sabe, se tenha deixado iludir sob a ingénua esperança de que o pudesse controlar na impossibilidade de o mudar.
Se mo perguntassem diria que Patrick e Clarence nunca confiaram realmente um no outro, nenhum deles esperava que o outro abdicasse do que quer que fosse em prol do outro, nenhum tinha irrisórias esperanças ou sonhos de uma vida partilhada a dois, viam-se como duas matreiras raposas que, dentro dos limites do humanamente aceitável, tinham uma relação que assentava num entendimento mútuo e respeito mas, até nestes casos o amor pode vir a surgir... Improvável, mas não impossível...
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Diários de Calico #9
De todas as histórias e mitos do oeste que teimam em resistir à poeira do tempo havia um que sempre que fascinou as história de amor profundo e vil entre Madame De Lil e o Diabólico Bill, assim era chamada esta velha raposa do deserto, um arruaceiro puro e duro que durante muito tempo se diz ter calcorreado tudo quanto fosse metro quadrado de deserto até por fim ter sido um dos primeiros a fixar-se em Calico.
Conta-se que por essa altura o velho Finn ainda não tinha descoberto esta sua Irlanda do Deserto e que a cargo do Saloon estava uma senhora nos seus quarentas de nome Clarence De Lil, Madame De Lil para a maioria. E como para muitos, foi o amor de perdição de Bill, esse velho foragido não conseguiu resistir à beleza daquela senhora que tanto cantava e encantava mesmo sabendo-se pouco ou nada sobre o seu passado.
Mas falando verdade, De Lil também ficou perdida de amores por este visitante que chegara silenciosamente e não tentando dar nas vistas.
Ele não a perdera de vista um único minuto desde que chegara, havia uma imensa escolha de alojamento mas ele insistiu em ficar ali mesmo, no Saloon, perto do seu novo e aparentemente inabalável amor. Todos os dias descia à mesma hora, oito e meia da manhã, saía, dava os bons dias e rumava á cidade, voltava para almoçar ás doze horas e vinte minutos em ponto, finda a refeição tomava um copo de whiskey irlandês de puro malte e voltava a rumar á cidade para voltar definitivamente por volta das oito menos um quarto, altura essa em que comia algo e se sentava ao balcão do Saloon para não mais dali sair a não ser quando Clarence fechava.
Não falava com muita gente à parte da saudação matinal habitual a De Lil mas também nunca falhava um pagamento, sempre a pronto e sem falta. Toda esta rotina levantou a desconfiança entre os habitantes sobre qual seria o passado de Patrick Williams, assim era o nome verdadeiro desse Bill Diabólico. Uns apostavam em contrabandista, outros diziam que era um daqueles novos chefes de máfia vindos da Europa à conquista da América Selvagem, mas apesar desta divergência havia um consenso, tivesse feito o que tivesse feito, nada de bom poderia algum dia sair dali pelo que a maioria optava por manter a distância, pois... A maioria...
Já falei que De Lil havia ficado, à sua maneira recatada e discreta, perdida de amores por este novo personagem, intrigava-a o passado deste refinado mas misterioso senhor. Por um lado tinha feições rígidas e cansadas, típicas de quem passava uma vida de solo a solo sempre parar mas por outro tinha a educação, a pontualidade e a sofisticação de um puro ‘gentleman’. Se tudo isto não chegasse para fazer qualquer mulher suspirar seus amores aos céus, William era ainda um exímio tocador de Violino e quando disposto a tal, dava um ar da sua graça saltitando com o seu arco corda a corda o seu velho mas belo violino.
Com o tempo a cumplicidade latente entre Bill e De Lil era cada vez mais notória, ele havia perdido a sua feição rígida e esporadicamente esboçava um sorriso de pura felicidade. Havia até quem jurasse a pés juntos tê-los visto, numa limpa noite de Luar a passear pelas ruas vazias de Calico trocando poucas palavras mas imensos olhares.
Se a história for fiel á realidade então as suspeições infundadas de pouco ou nada importavam a partir do momento em que em pleno dia De Lil abandonava o seu saloon, de chapéu-de-sol ao ombro e acompanhada por William para um passeio por aquela espécie de rua que era nada mais que um amontoado de poeira assente. Não se entendia para onde passeavam nem o que tão belo haveria para ver naquele paraíso de pó e prata, quando a ouvi em criança não fazia mesmo sentido, se não havia baloiços nem bolas então para que iam eles andar?
Hoje, 50 anos depois percebo... nem sempre, num passeio, o importante é o destino ou a paisagem mas sim a singela companhia de uma bela rapariga, os olhares que se trocam ou, quem sabe, as palavras que ficam por dizer à custa de um olhar que por vezes recita uma autêntica ode ao amor. E enquanto para um jovem no seu apogeu conversar possa parecer patético, para duas velhas raposas como Bill e De Lil, para eles, recordar era mais que viver, era amar...
Conta-se que por essa altura o velho Finn ainda não tinha descoberto esta sua Irlanda do Deserto e que a cargo do Saloon estava uma senhora nos seus quarentas de nome Clarence De Lil, Madame De Lil para a maioria. E como para muitos, foi o amor de perdição de Bill, esse velho foragido não conseguiu resistir à beleza daquela senhora que tanto cantava e encantava mesmo sabendo-se pouco ou nada sobre o seu passado.
Mas falando verdade, De Lil também ficou perdida de amores por este visitante que chegara silenciosamente e não tentando dar nas vistas.
Ele não a perdera de vista um único minuto desde que chegara, havia uma imensa escolha de alojamento mas ele insistiu em ficar ali mesmo, no Saloon, perto do seu novo e aparentemente inabalável amor. Todos os dias descia à mesma hora, oito e meia da manhã, saía, dava os bons dias e rumava á cidade, voltava para almoçar ás doze horas e vinte minutos em ponto, finda a refeição tomava um copo de whiskey irlandês de puro malte e voltava a rumar á cidade para voltar definitivamente por volta das oito menos um quarto, altura essa em que comia algo e se sentava ao balcão do Saloon para não mais dali sair a não ser quando Clarence fechava.
Não falava com muita gente à parte da saudação matinal habitual a De Lil mas também nunca falhava um pagamento, sempre a pronto e sem falta. Toda esta rotina levantou a desconfiança entre os habitantes sobre qual seria o passado de Patrick Williams, assim era o nome verdadeiro desse Bill Diabólico. Uns apostavam em contrabandista, outros diziam que era um daqueles novos chefes de máfia vindos da Europa à conquista da América Selvagem, mas apesar desta divergência havia um consenso, tivesse feito o que tivesse feito, nada de bom poderia algum dia sair dali pelo que a maioria optava por manter a distância, pois... A maioria...
Já falei que De Lil havia ficado, à sua maneira recatada e discreta, perdida de amores por este novo personagem, intrigava-a o passado deste refinado mas misterioso senhor. Por um lado tinha feições rígidas e cansadas, típicas de quem passava uma vida de solo a solo sempre parar mas por outro tinha a educação, a pontualidade e a sofisticação de um puro ‘gentleman’. Se tudo isto não chegasse para fazer qualquer mulher suspirar seus amores aos céus, William era ainda um exímio tocador de Violino e quando disposto a tal, dava um ar da sua graça saltitando com o seu arco corda a corda o seu velho mas belo violino.
Com o tempo a cumplicidade latente entre Bill e De Lil era cada vez mais notória, ele havia perdido a sua feição rígida e esporadicamente esboçava um sorriso de pura felicidade. Havia até quem jurasse a pés juntos tê-los visto, numa limpa noite de Luar a passear pelas ruas vazias de Calico trocando poucas palavras mas imensos olhares.
Se a história for fiel á realidade então as suspeições infundadas de pouco ou nada importavam a partir do momento em que em pleno dia De Lil abandonava o seu saloon, de chapéu-de-sol ao ombro e acompanhada por William para um passeio por aquela espécie de rua que era nada mais que um amontoado de poeira assente. Não se entendia para onde passeavam nem o que tão belo haveria para ver naquele paraíso de pó e prata, quando a ouvi em criança não fazia mesmo sentido, se não havia baloiços nem bolas então para que iam eles andar?
Hoje, 50 anos depois percebo... nem sempre, num passeio, o importante é o destino ou a paisagem mas sim a singela companhia de uma bela rapariga, os olhares que se trocam ou, quem sabe, as palavras que ficam por dizer à custa de um olhar que por vezes recita uma autêntica ode ao amor. E enquanto para um jovem no seu apogeu conversar possa parecer patético, para duas velhas raposas como Bill e De Lil, para eles, recordar era mais que viver, era amar...
domingo, 13 de fevereiro de 2011
Diários de Calico #8
Gostava de quando ela me agarrava pela mão e arrastava a passos rápidos pelas ruas até invariavelmente me levar para um qualquer lugar que para mim não era mais que um terreno desértico com ervas rasteiras ou um amontoado de calhaus numa das muitas colinas que nos rodeavam. Isso agradava-me sobretudo quando percebia a razão de tão desenfreada correria, as razões geralmente prendiam-se em uma qualquer flor que miraculosamente florescia no meio de tanta poeira ou numa pedra que parecia ter sido intencionalmente esculpida para ter a forma da Lua.
Na maioria das vezes dava comigo a pensar se ela não pensaria à pressão em algo para justificar aquele aparentemente injustificável ímpeto; tudo isto para logo de seguida me maravilhar com o olhar fascinado que ela deitava a tudo e perceber que não havia outra intenção da parte dela senão partilhar comigo as notas que para ela eram as mais belas da sonata de Calico.
Pessoas haverão que por esta altura já estarão a rebuscar os seus dicionários para sinónimos pomposos para amor e eternidade e a arranjar maneira de conjugar estes dois termos mas a verdade é que será infrutífero… Ela era tão imprevisível quanto os veios de prata que rodeavam Calico e teimam em se esconder cada vez melhor dos mineiros cada vez mais enfeitiçados pela sua cor de luar; dizer que era amor isso que ela sentia ao me arrastar por esse horizonte seria tolo.
Conhecia-a bem e sabia perfeitamente que nunca alguém com uma alma tão livre se renderia assim, sem verso nem prosa, se assim o fosse não despertaria em mim esse fascínio desde o meu primeiro dia, desde os tempos em que era um pequeno rapaz que acabado de chegar a Calico procurava desesperadamente por alguém. Já me tinha sido permitido vislumbrar o suficiente para compreender que apesar de não conseguir viver sem ela isso não significaria necessariamente que a amava.
Gostava de estar sozinho com ela, fosse a olhar para as ditas flores ou simplesmente deitado nos poucos prados verdes, que existiam à beira do pequeno riacho, enquanto olhávamos para o céu como desculpa para não olhar para o vazio ou quando ela começava a despentear-me mesmo sabendo o quanto isso me irritava, mas ela adorava-o e como poderia eu negar tal prazer a alguém tão belo que com um singelo sorriso me reduzia o mundo a dois olhos, um nariz arrebitado, uma boca tímida de inicio mas irreverente com o passar do tempo ou com os mais belos e selvagens caracóis de cor castanha que alguma vez vira.
Não estava apaixonado, simplesmente não conseguia viver sem ela, o que era pior, pois o amor um dia, tal como tudo acaba e não resta senão a memória, cicatriz mais ou menos profunda. Já o que eu sentia era pior, não ia doer dali a um par de semanas, meses ou anos. Doía já ali naquele preciso momento unicamente com o medo de no dia seguinte ela não ter uma nova razão para uma vez mais me arrastar para apreciar um pequeno detalhe que nos deixasse maravilhados.
Mas ela encontrava sempre algo, havia sempre algo que ela queria que eu visse, cheirasse ou sentisse, entendem agora o quão angustiante era o medo? O receio de um momento para o outro perder tudo aquilo que ela com a sua simples existência me conferia era sem dúvida alguma pior do que o mais desgostoso dos amores, nada há como um grande amor para esquecer outro grande amor.
No caso dela não havia outro grande coração que me pudesse fazer esquecer o seu...
Na maioria das vezes dava comigo a pensar se ela não pensaria à pressão em algo para justificar aquele aparentemente injustificável ímpeto; tudo isto para logo de seguida me maravilhar com o olhar fascinado que ela deitava a tudo e perceber que não havia outra intenção da parte dela senão partilhar comigo as notas que para ela eram as mais belas da sonata de Calico.
Pessoas haverão que por esta altura já estarão a rebuscar os seus dicionários para sinónimos pomposos para amor e eternidade e a arranjar maneira de conjugar estes dois termos mas a verdade é que será infrutífero… Ela era tão imprevisível quanto os veios de prata que rodeavam Calico e teimam em se esconder cada vez melhor dos mineiros cada vez mais enfeitiçados pela sua cor de luar; dizer que era amor isso que ela sentia ao me arrastar por esse horizonte seria tolo.
Conhecia-a bem e sabia perfeitamente que nunca alguém com uma alma tão livre se renderia assim, sem verso nem prosa, se assim o fosse não despertaria em mim esse fascínio desde o meu primeiro dia, desde os tempos em que era um pequeno rapaz que acabado de chegar a Calico procurava desesperadamente por alguém. Já me tinha sido permitido vislumbrar o suficiente para compreender que apesar de não conseguir viver sem ela isso não significaria necessariamente que a amava.
Gostava de estar sozinho com ela, fosse a olhar para as ditas flores ou simplesmente deitado nos poucos prados verdes, que existiam à beira do pequeno riacho, enquanto olhávamos para o céu como desculpa para não olhar para o vazio ou quando ela começava a despentear-me mesmo sabendo o quanto isso me irritava, mas ela adorava-o e como poderia eu negar tal prazer a alguém tão belo que com um singelo sorriso me reduzia o mundo a dois olhos, um nariz arrebitado, uma boca tímida de inicio mas irreverente com o passar do tempo ou com os mais belos e selvagens caracóis de cor castanha que alguma vez vira.
Não estava apaixonado, simplesmente não conseguia viver sem ela, o que era pior, pois o amor um dia, tal como tudo acaba e não resta senão a memória, cicatriz mais ou menos profunda. Já o que eu sentia era pior, não ia doer dali a um par de semanas, meses ou anos. Doía já ali naquele preciso momento unicamente com o medo de no dia seguinte ela não ter uma nova razão para uma vez mais me arrastar para apreciar um pequeno detalhe que nos deixasse maravilhados.
Mas ela encontrava sempre algo, havia sempre algo que ela queria que eu visse, cheirasse ou sentisse, entendem agora o quão angustiante era o medo? O receio de um momento para o outro perder tudo aquilo que ela com a sua simples existência me conferia era sem dúvida alguma pior do que o mais desgostoso dos amores, nada há como um grande amor para esquecer outro grande amor.
No caso dela não havia outro grande coração que me pudesse fazer esquecer o seu...
sábado, 12 de fevereiro de 2011
Diários de Calico #7
Na minha infância em Calico vi muitos nascer do Sol, gloriosos e imponentes sobre as selvagens montanhas que eram as fieis guarda-costas de Calico contra os temíveis ventos e areias do deserto, que se reflectiam sobre tudo desde as pequenas e insignificantes areias, os vidros da casas; que de uma forma desordenada estavam plantadas ao longo do caminho. Era um aspecto do quotidiano, nada de relevante para uma qualquer pessoa numa qualquer cidade mas em Calico, sabia tão diferente, talvez o saiba agora pela saudade talvez já o sentisse na altura. A verdade é que em Calico tudo parecia ser diferente, era como se soubesse à partida que nada daquilo duraria para sempre; seria um sonho de uma quente noite de verão que apesar de agradável e apetecível teria de acabar para um novo dia nascer.
Foi essa uma das primeiras impressões que causou em mim enquanto descia os degraus da cansada locomotiva que durante horas acelerara furiosamente entre as áridas e inóspitas terras do deserto de Mojave. Lembro-me que chegara mesmo de manhãzinha a tempo de presenciar o nascer do Sol que primeiro timidamente e depois com convicção escalava essas montanhas que eram rainhas num horizonte plano e com uma vastidão como nunca vira. Gostei, aliás gostar é pouco… tocou-me com uma tamanha intensidade, era tão bonito que doía. Provocava-o tão somente a mera possibilidade de um dia ser privado da maravilha que me acabara de ser permitido vislumbrar.
E por mais anos que viva, por mais sítios que visite uma coisa é certa: poucas coisas nesta vida se poderão comparar à unicidade que era aquele rápido relance matinal do sol a acordar levemente as montanhas de Calico com o seu leve beijo de luz.
Foi essa uma das primeiras impressões que causou em mim enquanto descia os degraus da cansada locomotiva que durante horas acelerara furiosamente entre as áridas e inóspitas terras do deserto de Mojave. Lembro-me que chegara mesmo de manhãzinha a tempo de presenciar o nascer do Sol que primeiro timidamente e depois com convicção escalava essas montanhas que eram rainhas num horizonte plano e com uma vastidão como nunca vira. Gostei, aliás gostar é pouco… tocou-me com uma tamanha intensidade, era tão bonito que doía. Provocava-o tão somente a mera possibilidade de um dia ser privado da maravilha que me acabara de ser permitido vislumbrar.
E por mais anos que viva, por mais sítios que visite uma coisa é certa: poucas coisas nesta vida se poderão comparar à unicidade que era aquele rápido relance matinal do sol a acordar levemente as montanhas de Calico com o seu leve beijo de luz.
sábado, 5 de fevereiro de 2011
Diários de Calico #6
Longos e resplandecentes eram os carris, negras como o breu eram as solipas, longínquas e árias eram por vezes as terras às quais chegavam, cruzando um território que de selvagem, nos dias que corriam tinha mais a fama que o proveito.
Cruzava rios, saltava penhascos, voava sobre ravinas de perder a vista para longo de seguida mergulhar na rocha escura e sombria.
Inúmeros foram os metros de terra que calcorreou, entre destinos e entre vidas, entre negócios e amores, entre guerra e paz, dia e noite, entre tudo e entre nada.
Para muitos uma fria máquina de ferros cuja negra nuvem cortava e destruía paisagens sem fim, para outros um imponente ‘puro sangue’ de madeira e aço que a toda a velocidade cruzava o deserto entre os uivos do vento e os gritos de guerra desses selváticos peles vermelhas que hoje em dia são não mais que objecto de ficção nos filmes e que então eram um medo constante. Apesar das divergências não havia ninguém capaz de se lembrar e afirmar não se tratar de uma das mais brilhantes e engenhosas invenções do génio humano e um dos grandes fundadores e impulsionadores de Calico.
Como em qualquer outra cidade que tenha nascido como Calico tudo começou com uma singela linha negra a contrastar com o amarelo do deserto. Primeiro um pequeno apeadeiro de carga que servia a mina e os seus mineiros que nos primeiros tempos repetiam aquela diária jornada férrea ao clarear da aurora e ao último raiar do crepúsculo nas carruagens já marcadas pela idade e pelos assobios alegres e carregados de uma melodia que só quem se aventurava terra a dentro compreendiam e partilhavam.
Eventualmente tomou-se a decisão crucial, era preciso que algo mais se desenvolvesse ao redor do pequeno apeadeiro, primeiro uma estação de correios, seguido de um telegrafo, um pequeno café, uma pousada e aos poucos Calico começava a surgir num mapa que antes só contava com terra. O velho apeadeiro de madeira dava lugar a uma nova estação com pedra polida e vidros não baços que espelhavam a alegria no rosto de todos quantos ali chegavam á procura de uma nova etapa de vida.
Sempre foram um indicador constante do estado de Calico os seus inicialmente reluzentes carris que com o passar dos anos e com o consequente malfadado abandono de Calico viriam a escurecer e a não conseguir salvar as suas outrora novas solipas da podridão.
Mas nem tudo foi infeliz nesta nobre linha férrea, muitos foram os momentos de alegria que deu á cidade, como a primeira vez que nela viajei com os meus pais rumo a um el dorado que apesar de toda a adversidade achávamos existir em Calico, e durante vinte anos esse paraíso de facto existiu, e todos os devemos à fiel locomotiva que apesar da idade nunca por um dia falhou um destino, essa robusta, infalível. e incrível peça de engenharia.
Cruzava rios, saltava penhascos, voava sobre ravinas de perder a vista para longo de seguida mergulhar na rocha escura e sombria.
Inúmeros foram os metros de terra que calcorreou, entre destinos e entre vidas, entre negócios e amores, entre guerra e paz, dia e noite, entre tudo e entre nada.
Para muitos uma fria máquina de ferros cuja negra nuvem cortava e destruía paisagens sem fim, para outros um imponente ‘puro sangue’ de madeira e aço que a toda a velocidade cruzava o deserto entre os uivos do vento e os gritos de guerra desses selváticos peles vermelhas que hoje em dia são não mais que objecto de ficção nos filmes e que então eram um medo constante. Apesar das divergências não havia ninguém capaz de se lembrar e afirmar não se tratar de uma das mais brilhantes e engenhosas invenções do génio humano e um dos grandes fundadores e impulsionadores de Calico.
Como em qualquer outra cidade que tenha nascido como Calico tudo começou com uma singela linha negra a contrastar com o amarelo do deserto. Primeiro um pequeno apeadeiro de carga que servia a mina e os seus mineiros que nos primeiros tempos repetiam aquela diária jornada férrea ao clarear da aurora e ao último raiar do crepúsculo nas carruagens já marcadas pela idade e pelos assobios alegres e carregados de uma melodia que só quem se aventurava terra a dentro compreendiam e partilhavam.
Eventualmente tomou-se a decisão crucial, era preciso que algo mais se desenvolvesse ao redor do pequeno apeadeiro, primeiro uma estação de correios, seguido de um telegrafo, um pequeno café, uma pousada e aos poucos Calico começava a surgir num mapa que antes só contava com terra. O velho apeadeiro de madeira dava lugar a uma nova estação com pedra polida e vidros não baços que espelhavam a alegria no rosto de todos quantos ali chegavam á procura de uma nova etapa de vida.
Sempre foram um indicador constante do estado de Calico os seus inicialmente reluzentes carris que com o passar dos anos e com o consequente malfadado abandono de Calico viriam a escurecer e a não conseguir salvar as suas outrora novas solipas da podridão.
Mas nem tudo foi infeliz nesta nobre linha férrea, muitos foram os momentos de alegria que deu á cidade, como a primeira vez que nela viajei com os meus pais rumo a um el dorado que apesar de toda a adversidade achávamos existir em Calico, e durante vinte anos esse paraíso de facto existiu, e todos os devemos à fiel locomotiva que apesar da idade nunca por um dia falhou um destino, essa robusta, infalível. e incrível peça de engenharia.
sábado, 18 de dezembro de 2010
Diários de Calico #5
O Swing saltitava entre as tábuas do velho soalho que rangia com o frenético dançar, o qual serpenteava por entre o fumo que enevoava o ar e o álcool que iludia a alma. Assim se pode descrever numa única frase o ambiente do Irelander. Chamava-se assim por o seu dono, o velho Finn O'Mcdonald (Finn O'Mac para os amigos), ser originário de Kildare. Para ele aquele bar era o mais parecido com os verdes prados do condado de Cork ou a espuma preta de uma boa caneca de Guinness que ele podia encontrar no meio daquele amontoado de pedra, terra, sol e madeira a que um dia se decidiu chamar Calico.
A música era uma constante, não poderia existir um Saloon como aquele sem ela. O velho Finn era uma amante de música e sempre que se lhe dava a mínima hipótese lá estava ele a trocar os copos e as garrafas de whiskey e gin pelas velhas teclas de marfim do seu piano ou as gastas cordas do seu violino ou algo menos rebuscado como uma simples harmónica. Fosse em que instrumento fosse ele provava ser exímio em qualquer um deles mas mais que isso, tinha a capacidade de contagiar todo um bar que mal ouvia os primeiros acordes ganhava uma nova vida. Era uma rambóia interminável essa que todas as noites enchia aquelas simples paredes de animação e alegria fazendo com que os contratempos do dia a dias fossem algo minúsculo e insignificante
Mas nem só de música vivia o ambiente boémio do Irelander, o seu encanto também ficava em muito a dever-se a simples características como o seu ar carregado pelo fumo do cachimbo ou as conversas de fundo que enchiam aquele espaço e faziam parte da vida de toda uma cidade que mal o relógio batia nove badaladas ali rumava; quem sabe para também ela achar um pouco do seu sentido entre o flamejante swing ou o melancólico Jazz.
Mas o que seria de um bar se não tivesse um bom par de rixas e escaramuças na sua história para exibir como se fossem condecorações de guerra e no caso do bar do O’Mac não era preciso esperar muito para ver uma. Era tão-somente uma questão de numa das muitas mesas algum trapaceiro tentar passar a perna às velhas raposas de Calico e ser apanhado. Num piscar de olhos todo o bar estava envolvo num enorme reboliço que à falta de melhor razão servia para mostrar ao forasteiro a raça e a alma daqueles com quem lidava. Cadeiras berravam, os murros silvavam entre os palavrões e o calão. Todo um pacato ambiente transformado no mais caótico dos campos de batalha, toda uma população aparentemente civilizada transformava-se na mais selvática tribo bárbara.
Chamem-me louco ou inconsciente mas sempre achei que estes momentos de violência gratuita eram uma necessidade daquelas vidas que naquele momento ali bravamente se debatiam umas contra as outras. Para mim, um bom serão no Irelander devia incluir um pouco de tudo, um bom copo de whiskey, um bom cigarro, uma boa música de fundo e uma sessão de pancadaria das antigas.
Se isto tudo já não fosse mais que suficiente para fascinar o jovem que existia em mim na altura havia algo ainda mais surreal: O McDonald apesar dos seus cinquenta e muitos anos era sempre o primeiro a amotinar tudo e todos para a pancada e mal esta estava lançada ia-se sentar no seu piano a tocar uma música condigna com a presente escaramuça. Era um gosto adquirido - dizia-me ele – o caos acompanhado pela arte. Pensando bem, num local que sorvia tanto da sua existência nas melodias da vida, algo tão característico do Irelander, como eram as suas muitas noites de confusão boémia, não poderia acontecer sem ser ao ritmo desta. Não poderia ser de outra forma.
Estranhamente, com o passar dos anos, cheguei à conclusão que tudo aquilo que se desenvolvia no Irelander era essencial às vidas dos que por lá perdiam parte da sua existência. Nunca percebi bem porquê mas sentia que tinha razão através do vigor dos socos que eram trocados, do timbre dos gritos de guerra lançados ou no brilho estampado no olhar daqueles que, tal com o Finn O’Mac, apreciavam tudo quanto o Irelander podia oferecer
E só quando por fim, já envolto pelo breu da noite, o abraço do silêncio e a mordaça da solidão; a calma voltava ao Irelander de o velho McDonald fechava as portadas, trancava as portas e seguia rua fora assobiando à lua, sua fiel companheira, a mesma canção de sempre é que Calico ia dormir.
A música era uma constante, não poderia existir um Saloon como aquele sem ela. O velho Finn era uma amante de música e sempre que se lhe dava a mínima hipótese lá estava ele a trocar os copos e as garrafas de whiskey e gin pelas velhas teclas de marfim do seu piano ou as gastas cordas do seu violino ou algo menos rebuscado como uma simples harmónica. Fosse em que instrumento fosse ele provava ser exímio em qualquer um deles mas mais que isso, tinha a capacidade de contagiar todo um bar que mal ouvia os primeiros acordes ganhava uma nova vida. Era uma rambóia interminável essa que todas as noites enchia aquelas simples paredes de animação e alegria fazendo com que os contratempos do dia a dias fossem algo minúsculo e insignificante
Mas nem só de música vivia o ambiente boémio do Irelander, o seu encanto também ficava em muito a dever-se a simples características como o seu ar carregado pelo fumo do cachimbo ou as conversas de fundo que enchiam aquele espaço e faziam parte da vida de toda uma cidade que mal o relógio batia nove badaladas ali rumava; quem sabe para também ela achar um pouco do seu sentido entre o flamejante swing ou o melancólico Jazz.
Mas o que seria de um bar se não tivesse um bom par de rixas e escaramuças na sua história para exibir como se fossem condecorações de guerra e no caso do bar do O’Mac não era preciso esperar muito para ver uma. Era tão-somente uma questão de numa das muitas mesas algum trapaceiro tentar passar a perna às velhas raposas de Calico e ser apanhado. Num piscar de olhos todo o bar estava envolvo num enorme reboliço que à falta de melhor razão servia para mostrar ao forasteiro a raça e a alma daqueles com quem lidava. Cadeiras berravam, os murros silvavam entre os palavrões e o calão. Todo um pacato ambiente transformado no mais caótico dos campos de batalha, toda uma população aparentemente civilizada transformava-se na mais selvática tribo bárbara.
Chamem-me louco ou inconsciente mas sempre achei que estes momentos de violência gratuita eram uma necessidade daquelas vidas que naquele momento ali bravamente se debatiam umas contra as outras. Para mim, um bom serão no Irelander devia incluir um pouco de tudo, um bom copo de whiskey, um bom cigarro, uma boa música de fundo e uma sessão de pancadaria das antigas.
Se isto tudo já não fosse mais que suficiente para fascinar o jovem que existia em mim na altura havia algo ainda mais surreal: O McDonald apesar dos seus cinquenta e muitos anos era sempre o primeiro a amotinar tudo e todos para a pancada e mal esta estava lançada ia-se sentar no seu piano a tocar uma música condigna com a presente escaramuça. Era um gosto adquirido - dizia-me ele – o caos acompanhado pela arte. Pensando bem, num local que sorvia tanto da sua existência nas melodias da vida, algo tão característico do Irelander, como eram as suas muitas noites de confusão boémia, não poderia acontecer sem ser ao ritmo desta. Não poderia ser de outra forma.
Estranhamente, com o passar dos anos, cheguei à conclusão que tudo aquilo que se desenvolvia no Irelander era essencial às vidas dos que por lá perdiam parte da sua existência. Nunca percebi bem porquê mas sentia que tinha razão através do vigor dos socos que eram trocados, do timbre dos gritos de guerra lançados ou no brilho estampado no olhar daqueles que, tal com o Finn O’Mac, apreciavam tudo quanto o Irelander podia oferecer
E só quando por fim, já envolto pelo breu da noite, o abraço do silêncio e a mordaça da solidão; a calma voltava ao Irelander de o velho McDonald fechava as portadas, trancava as portas e seguia rua fora assobiando à lua, sua fiel companheira, a mesma canção de sempre é que Calico ia dormir.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Diários de Calico #4
Das muitas vidas que cruzavam as poeirentas ruas de Calico nenhuma me fascinava mais que a do carteiro. Naquela altura e na zona do país em questão, o serviço postal era algo feito numa base semanal e era comum que pequenas cidades como esta partilhassem os serviços do mesmo carteiro o qual num galopar incessante e incansável trazia e levava as novas de terra a terra.
No caso de Calico, o carteiro era um homem a um par de anos da meia-idade, de feições não tão rígidas quanto as lendas do velho oeste insistem em caracterizar esses cavaleiros solitários. Tinha a face marcada pelas árduas jornadas sob um sol abrasador ao longo desse deserto que tantas vezes parecia interminável e implacável. Tinha um porte imponente: ombros largos, alto, voz grave, era alguém decididamente perfeito para as exigências da tarefa. De todas estas características nenhuma era tão bem conhecida como o som da sua harmónica a ecoar ainda a vários quilómetros de distância, cruzando os céus laranja e anunciando a sua chegada.
Em toda a minha vida convivi com vários carteiros mas nenhum, no entanto, me deixou tantas e tão marcantes recordações como este senhor que teimava em chegar ao cair da noite ao invés do primeiro raiar da alvorada. Ele que trocava o alegre cantar do viajante pelo triste sopro da sua harmónica que apesar de tanta tristeza carregar nenhuma à correspondência dizia respeito, distribuindo alegria através desses tesouros escritos em tinta sobre papel e tão ternamente acondicionados nesses belos e clássicos envelopes que ele fazia questão de não ficarem sem destinatário, promessa essa que tanto sofrimento na cara lhe espelhou.
Sempre o vi como alguém que tinha o deserto, a Lua e o seu fiel cavalo por únicos companheiros, não que achasse que isso o fazia infeliz. Das inúmeras vezes que o vi, nem por um único momento a sua melodia me soou como um choro... Soava a tristeza sim mas uma tristeza bela, algo digno de alguém que amava a sua vida e o seu ofício de tal modo que a simples percepção da efemeridade dessas jornadas audaciosas pelo deserto e de as suas aventuras não mais que uma vida durarem o entristeciam e faziam apertar a saudade de um deserto que ainda não havia perdido, mas que um dia inevitavelmente se iria, ele que foi a sua casa da qual o céu estrelado que tantas noites o seu tecto fora.
Nunca consegui entender o que certo dia o levou a deixar amizades, terras e amores, abdicar de sonhos e aspirações para se tornar num meio de transporte de sentimentos, levando a felicidade alheia de terra em terra a troco de sorrisos e do seu próprio esforço.
Muitos livros se escreveram sobre bandidos, xerifes, cowboys, aldrabões e outros que tais, mas nunca uma singela página foi dedicada a esta gente de fibra, que entre noites gélidas ao relento a manhãs enevoadas e inóspitas nunca deixaram uma mensagem por entregar, fosse ela uma cobrança de uma qualquer mísera dívida ou uma declaração de amor que para alguém seria o mundo.
Uma verdadeira lenda, seja onde for, havendo luar e um céu estrelado sinto aquela velha e tão familiar melodia a ecoar de novo ao meu ouvido e isso, de certa forma faz-me sentir tristemente feliz...
No caso de Calico, o carteiro era um homem a um par de anos da meia-idade, de feições não tão rígidas quanto as lendas do velho oeste insistem em caracterizar esses cavaleiros solitários. Tinha a face marcada pelas árduas jornadas sob um sol abrasador ao longo desse deserto que tantas vezes parecia interminável e implacável. Tinha um porte imponente: ombros largos, alto, voz grave, era alguém decididamente perfeito para as exigências da tarefa. De todas estas características nenhuma era tão bem conhecida como o som da sua harmónica a ecoar ainda a vários quilómetros de distância, cruzando os céus laranja e anunciando a sua chegada.
Em toda a minha vida convivi com vários carteiros mas nenhum, no entanto, me deixou tantas e tão marcantes recordações como este senhor que teimava em chegar ao cair da noite ao invés do primeiro raiar da alvorada. Ele que trocava o alegre cantar do viajante pelo triste sopro da sua harmónica que apesar de tanta tristeza carregar nenhuma à correspondência dizia respeito, distribuindo alegria através desses tesouros escritos em tinta sobre papel e tão ternamente acondicionados nesses belos e clássicos envelopes que ele fazia questão de não ficarem sem destinatário, promessa essa que tanto sofrimento na cara lhe espelhou.
Sempre o vi como alguém que tinha o deserto, a Lua e o seu fiel cavalo por únicos companheiros, não que achasse que isso o fazia infeliz. Das inúmeras vezes que o vi, nem por um único momento a sua melodia me soou como um choro... Soava a tristeza sim mas uma tristeza bela, algo digno de alguém que amava a sua vida e o seu ofício de tal modo que a simples percepção da efemeridade dessas jornadas audaciosas pelo deserto e de as suas aventuras não mais que uma vida durarem o entristeciam e faziam apertar a saudade de um deserto que ainda não havia perdido, mas que um dia inevitavelmente se iria, ele que foi a sua casa da qual o céu estrelado que tantas noites o seu tecto fora.
Nunca consegui entender o que certo dia o levou a deixar amizades, terras e amores, abdicar de sonhos e aspirações para se tornar num meio de transporte de sentimentos, levando a felicidade alheia de terra em terra a troco de sorrisos e do seu próprio esforço.
Muitos livros se escreveram sobre bandidos, xerifes, cowboys, aldrabões e outros que tais, mas nunca uma singela página foi dedicada a esta gente de fibra, que entre noites gélidas ao relento a manhãs enevoadas e inóspitas nunca deixaram uma mensagem por entregar, fosse ela uma cobrança de uma qualquer mísera dívida ou uma declaração de amor que para alguém seria o mundo.
Uma verdadeira lenda, seja onde for, havendo luar e um céu estrelado sinto aquela velha e tão familiar melodia a ecoar de novo ao meu ouvido e isso, de certa forma faz-me sentir tristemente feliz...
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Diários de Calico #3
Se há memória que não se perde é a do primeiro dia de escola. No meu caso isso seria equivalente a dizer que tenho várias memórias dessas mas, em verdade, poucas se comparam à que tenho de Calico.
A escola desta pacata cidade no meio do deserto plantada não era um edifício imponente, com ar moderno ou com um enorme letreiro a indicar a sua função. Era um edifício simples, de um só andar totalmente revestido de madeira, e apesar de ter já algumas marcas do tempo e das traquinices dos mais novos havia algo de intrigante nele que impedia de desviar a vista dele.
Apesar deste aspecto exterior algo degradado e pouco convidativo o seu interior era acolhedor, não por ser novo ou estar arranjado, muito pelo contrário.
Desde o soalho de madeira que rangia sem timidez nos mais variados tons, com os quais a criançada se divertia a compor melodias como se este de um enorme piano se tratasse, às portadas das janelas que batiam de acordo com o silvar do vento pelas pequenas falhas entre as tábuas que erguiam aquele lugar que apesar de tudo tão mágico era.
E numa dessas salas lá estava ela, sentada na sua secretária iluminada apenas pelo seu candeeiro e com os óculos pendurados ao pescoço, à espera dos seus petizes para, por uma vez mais, os fascinar com histórias dos mais famigerados fora da lei, inimigos da ordem e heróis populares, com um entusiasmo que só ela era capaz de transmitir e que nos fazia imaginar como seria cavalgar sem rumo por todo esse oeste selvagem que tantas lendas criou, território dos bravos, paraíso dos destemidos, terra da liberdade, de todos e de ninguém.
Tinha um talento natural soberbo para naquelas cerca de cinco horas nos abstrair de quaisquer adversidades do dia a dia, criando todo um imaginário de fantasia e ficção nas nossas cabeças a partir de meras letras impressas nas folhas, já amarelas da idade, daquele velho livro de capa dura e escura, digno de figurar numa qualquer biblioteca renascentista.
A sua voz convencia e o seu tom encantava, despertava o fascínio de todos quantos tinham o prazer de conviver com ela. Desde o carteiro, que todos os dias inventava uma nova razão para bater à sua porta, ao merceeiro que, no seu jeito meio grosseiro, diariamente lhe ia levar uma flor em jeito de corte numa tentativa vã de chamar a sua atenção e tentar disfarçar a sua notória falta de jeito para estas vidas de amores.
Ninguém lhe conseguia passar despercebido desde o dia em que chegara aqui. Foi acolhida como sendo a filha exemplar e há muito desejada de Calico.
Todas as histórias precisam de protagonistas e todos os romances suspiram por... algo mais...
A escola desta pacata cidade no meio do deserto plantada não era um edifício imponente, com ar moderno ou com um enorme letreiro a indicar a sua função. Era um edifício simples, de um só andar totalmente revestido de madeira, e apesar de ter já algumas marcas do tempo e das traquinices dos mais novos havia algo de intrigante nele que impedia de desviar a vista dele.
Apesar deste aspecto exterior algo degradado e pouco convidativo o seu interior era acolhedor, não por ser novo ou estar arranjado, muito pelo contrário.
Desde o soalho de madeira que rangia sem timidez nos mais variados tons, com os quais a criançada se divertia a compor melodias como se este de um enorme piano se tratasse, às portadas das janelas que batiam de acordo com o silvar do vento pelas pequenas falhas entre as tábuas que erguiam aquele lugar que apesar de tudo tão mágico era.
E numa dessas salas lá estava ela, sentada na sua secretária iluminada apenas pelo seu candeeiro e com os óculos pendurados ao pescoço, à espera dos seus petizes para, por uma vez mais, os fascinar com histórias dos mais famigerados fora da lei, inimigos da ordem e heróis populares, com um entusiasmo que só ela era capaz de transmitir e que nos fazia imaginar como seria cavalgar sem rumo por todo esse oeste selvagem que tantas lendas criou, território dos bravos, paraíso dos destemidos, terra da liberdade, de todos e de ninguém.
Tinha um talento natural soberbo para naquelas cerca de cinco horas nos abstrair de quaisquer adversidades do dia a dia, criando todo um imaginário de fantasia e ficção nas nossas cabeças a partir de meras letras impressas nas folhas, já amarelas da idade, daquele velho livro de capa dura e escura, digno de figurar numa qualquer biblioteca renascentista.
A sua voz convencia e o seu tom encantava, despertava o fascínio de todos quantos tinham o prazer de conviver com ela. Desde o carteiro, que todos os dias inventava uma nova razão para bater à sua porta, ao merceeiro que, no seu jeito meio grosseiro, diariamente lhe ia levar uma flor em jeito de corte numa tentativa vã de chamar a sua atenção e tentar disfarçar a sua notória falta de jeito para estas vidas de amores.
Ninguém lhe conseguia passar despercebido desde o dia em que chegara aqui. Foi acolhida como sendo a filha exemplar e há muito desejada de Calico.
Todas as histórias precisam de protagonistas e todos os romances suspiram por... algo mais...
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Diários de Calico #2
Viver em Calico não era propriamente fácil, era um território ingrato que não dava nada sem contrapartidas; não rendia a sua riqueza à ambição humana sem antes reclamar o seu preço no sofrimento que estampava nas caras de outros que tal como o meu pai ali chegaram atraídos pelo seu traiçoeiro canto de felicidade e prosperidade.
Era uma terra inóspita, trabalhada solo a solo, sem outra cor senão o castanho do pó e o laranja nos confins do seu horizonte, onde a terra abraça o céu.
Apesar de tudo quando exigia a vida nesta pequena cidade estava longe de ser um inferno, era um exemplo vivo do sonho americano, dia após dia, semana após semana inúmeros eram os que chegavam atrás da prometida vida nova que Calico aparentava oferecer, longe de toda a miséria a que alguns pareciam condenados.
Lembro-me especialmente daqueles finais de tarde depois do jantar, no alpendre de nossa casa. A minha mãe ia-se sentar na cadeira de baloiço levando com ela as suas agulhas e começava a tricotar a mais variadas peças de vestuário, desde uma camisola de lã de cores berrantes e capaz de embaraçar qualquer rapaz de 6 anos até um qualquer par de meias... Enquanto isso já o meu pai se havia instalado confortavelmente no seu habitual lugar e acendido o seu fiel cachimbo de madeira, já negra e marcada pelo passar dos anos, ficando então a fumegar em silêncio enquanto olhava o horizonte com encanto, durante anos não fui capaz de perceber ao certo que fascínio poderia ele ver numa planície indomável e sem fim...
Para mim aquela era a melhor altura do dia, na maioria das vezes ficava sentado nas escadas, imóvel e calado, a ouvir as pessoas que passavam dum lado para o outro, na maioria das vezes sujas e cansadas, mas sempre com um sorriso na cara.
Era uma terra mágica que encantava todos quantos a ela chegavam com intenção de não mais a deixar fosse porque razão fosse.
Recordo-me do dia em que perguntei ao meu pai porque razão tantos largavam tudo quanto tinham e para aqui rumavam sem nada mais que uma incerta promessa de prosperidade...
Não me soube dar uma resposta concreta, apenas foi capaz de esboçar um sorriso...
Eles simplesmente acreditavam em ti, Calico.
Era uma terra inóspita, trabalhada solo a solo, sem outra cor senão o castanho do pó e o laranja nos confins do seu horizonte, onde a terra abraça o céu.
Apesar de tudo quando exigia a vida nesta pequena cidade estava longe de ser um inferno, era um exemplo vivo do sonho americano, dia após dia, semana após semana inúmeros eram os que chegavam atrás da prometida vida nova que Calico aparentava oferecer, longe de toda a miséria a que alguns pareciam condenados.
Lembro-me especialmente daqueles finais de tarde depois do jantar, no alpendre de nossa casa. A minha mãe ia-se sentar na cadeira de baloiço levando com ela as suas agulhas e começava a tricotar a mais variadas peças de vestuário, desde uma camisola de lã de cores berrantes e capaz de embaraçar qualquer rapaz de 6 anos até um qualquer par de meias... Enquanto isso já o meu pai se havia instalado confortavelmente no seu habitual lugar e acendido o seu fiel cachimbo de madeira, já negra e marcada pelo passar dos anos, ficando então a fumegar em silêncio enquanto olhava o horizonte com encanto, durante anos não fui capaz de perceber ao certo que fascínio poderia ele ver numa planície indomável e sem fim...
Para mim aquela era a melhor altura do dia, na maioria das vezes ficava sentado nas escadas, imóvel e calado, a ouvir as pessoas que passavam dum lado para o outro, na maioria das vezes sujas e cansadas, mas sempre com um sorriso na cara.
Era uma terra mágica que encantava todos quantos a ela chegavam com intenção de não mais a deixar fosse porque razão fosse.
Recordo-me do dia em que perguntei ao meu pai porque razão tantos largavam tudo quanto tinham e para aqui rumavam sem nada mais que uma incerta promessa de prosperidade...
Não me soube dar uma resposta concreta, apenas foi capaz de esboçar um sorriso...
Eles simplesmente acreditavam em ti, Calico.
sábado, 30 de outubro de 2010
Diários de Calico #1
Guardo poucas recordações da minha infância, talvez por terem sido tempos difíceis para se conseguir ser criança ou por não sentir que tais tempos tenham realmente sido como seria de esperar, entre mudanças de terra em terra com os meus pais que duravam ora semanas ora meses. Uma das que nunca consegui esquecer foi aquela do primeiro dia em que cheguei a Calico: o meu pai dizia que se tudo corresse bem seria ali que encontraríamos a felicidade e a estabilidade que tanto ansiávamos – honestamente sempre o achei bastante ingénuo para um adulto que tinha passado por tantas adversidades ao longo da vida; não posso no entanto deixar de admirar a maneira como nos conseguia sempre alegrar lá em casa. Achei impossível que ao fim de tanto salto de um local para o outro pudéssemos realmente ser felizes num sítio específico; já estávamos habituados a não nos agarrar demasiado aos lugares por onde passávamos e às suas gentes pois em grande parte deles a nossa presença seria efémera, no entanto, ali foi diferente.
Se à chegada todo aquele ruído ensurdecedor me soava a um negro dia de trovoada e o fumo que emanava daquelas chaminés nada mais me lembrava senão a escura noite, bastou vê-la no jardim da casa ao lado a brincar com a sua boneca de trapos enquanto entoava uma canção que de modo algum parecia ser afectada por todo aquele ruído que tanto me incomodava; eu era tímido (sempre o fui, na verdade tímido não era o termo correcto, era...reservado) e apenas por isso me contive de logo ir perguntar-lhe como o conseguia fazer; como conseguia ter um sorriso na cara numa cidade que inspirava sofregamente trabalho e transpirava pó. A minha mãe percebeu logo tudo, característica fantástica essa inerente a qualquer mãe, baixou-se, sorriu-me e disse-me tão somente que ela era muito bonita e decerto seria simpática.
Com os anos aprendi que esses conceitos nada mais são que uma forma abstracta de tentar explicar porque se gosta mas a verdade é esta: nunca ao longo da vida somos capazes de ver com tanta clareza porque se gosta de alguém como quando somos pequenos, gostamos porque gostamos, e eu ainda mal a tinha visto e já gostava dela.
Não sabia o nome, nem a idade, nem tão pouco se tinha a voz suave e fina ou grave e grossa, se era carinhosa e amável ou se pelo contrário era uma peste insuportável... naquele momento tudo o que queria era unicamente estar sentado ao lado dela a vê-la segurar firme mas suavemente na sua linda boneca.
Os dias passaram e nem por uma vez ganhei coragem de lhe dirigir um mísero olá; dava comigo a ir brincar para o jardim sem ter vontade, eu queria lá saber de brincar... tudo o que queria era simplesmente olhar para ela, sentir o aroma que o vento trazia dela para mim e que, mesmo não o sendo, sabia melhor do que muitos dos beijos que dei nesta vida, ouvir as suas canções e adormecer à sombra da nossa macieira na esperança de sonhar com ela.
Os dias viraram semanas, as semanas viraram meses e a verdade é que tudo indicava que ali estava realmente aquilo que ao longo dos anos procurámos; pelo meio ultrapassei a infundada vergonha infantil que sempre tive e perguntei-lhe se queria ser minha amiga (engraçada a forma como se travam amizades quando somos pequenos, tão mais fácil e simples do que na vida adulta, quando se sente que a confiança essa é sempre garantida e que nunca precisaremos de duvidar ou desconfiar de nada).
Os meses rapidamente se converteram em anos, foi ao longo desse tempo e com ela que finalmente aprendi a triste mas doce melodia de Calico: das tubas que eram as chaminés; às cornetas que eram as picaretas, o rufar do tambor marcado pela dinamite passando pela voz e alma dos incansáveis mineiros e outros que tais.
Era para mim a mais rude mas agradável das melodias e a ela devo tudo isso, a ela devo o amor que tive e ainda hoje tenho por esta cidade. Há coisas que nunca esqueci, a sua música, nome, cheiro, cor, voz e alegria ficaram, devo-lho muito mas se houve algo que nunca lhe desculpei foi um dia ter levado a minha inocência e o meu coração e com eles ter desaparecido sem avisar e para não mais voltar...
...Até um dia... Passados muitos anos ...
Se à chegada todo aquele ruído ensurdecedor me soava a um negro dia de trovoada e o fumo que emanava daquelas chaminés nada mais me lembrava senão a escura noite, bastou vê-la no jardim da casa ao lado a brincar com a sua boneca de trapos enquanto entoava uma canção que de modo algum parecia ser afectada por todo aquele ruído que tanto me incomodava; eu era tímido (sempre o fui, na verdade tímido não era o termo correcto, era...reservado) e apenas por isso me contive de logo ir perguntar-lhe como o conseguia fazer; como conseguia ter um sorriso na cara numa cidade que inspirava sofregamente trabalho e transpirava pó. A minha mãe percebeu logo tudo, característica fantástica essa inerente a qualquer mãe, baixou-se, sorriu-me e disse-me tão somente que ela era muito bonita e decerto seria simpática.
Com os anos aprendi que esses conceitos nada mais são que uma forma abstracta de tentar explicar porque se gosta mas a verdade é esta: nunca ao longo da vida somos capazes de ver com tanta clareza porque se gosta de alguém como quando somos pequenos, gostamos porque gostamos, e eu ainda mal a tinha visto e já gostava dela.
Não sabia o nome, nem a idade, nem tão pouco se tinha a voz suave e fina ou grave e grossa, se era carinhosa e amável ou se pelo contrário era uma peste insuportável... naquele momento tudo o que queria era unicamente estar sentado ao lado dela a vê-la segurar firme mas suavemente na sua linda boneca.
Os dias passaram e nem por uma vez ganhei coragem de lhe dirigir um mísero olá; dava comigo a ir brincar para o jardim sem ter vontade, eu queria lá saber de brincar... tudo o que queria era simplesmente olhar para ela, sentir o aroma que o vento trazia dela para mim e que, mesmo não o sendo, sabia melhor do que muitos dos beijos que dei nesta vida, ouvir as suas canções e adormecer à sombra da nossa macieira na esperança de sonhar com ela.
Os dias viraram semanas, as semanas viraram meses e a verdade é que tudo indicava que ali estava realmente aquilo que ao longo dos anos procurámos; pelo meio ultrapassei a infundada vergonha infantil que sempre tive e perguntei-lhe se queria ser minha amiga (engraçada a forma como se travam amizades quando somos pequenos, tão mais fácil e simples do que na vida adulta, quando se sente que a confiança essa é sempre garantida e que nunca precisaremos de duvidar ou desconfiar de nada).
Os meses rapidamente se converteram em anos, foi ao longo desse tempo e com ela que finalmente aprendi a triste mas doce melodia de Calico: das tubas que eram as chaminés; às cornetas que eram as picaretas, o rufar do tambor marcado pela dinamite passando pela voz e alma dos incansáveis mineiros e outros que tais.
Era para mim a mais rude mas agradável das melodias e a ela devo tudo isso, a ela devo o amor que tive e ainda hoje tenho por esta cidade. Há coisas que nunca esqueci, a sua música, nome, cheiro, cor, voz e alegria ficaram, devo-lho muito mas se houve algo que nunca lhe desculpei foi um dia ter levado a minha inocência e o meu coração e com eles ter desaparecido sem avisar e para não mais voltar...
...Até um dia... Passados muitos anos ...
sábado, 23 de outubro de 2010
Penguin Cafe Orchestra
Calcorreando as ruas de uma qualquer zona menos iluminada deste mundo é, na grande maioria dos casos convite a acabar a noite sem documentos e sem roupa; não deixa de ser no entanto verdade que por vezes a audácia (ou a loucura) de tentar tal façanha é recompensada quando por fim encontramos aquele café pelo qual corremos toda uma ruela pouco iluminada. O aspecto exterior não é de todo convidativo nem tão pouco existe um letreiro de boas vindas… existe tão somente uma melodia que ecoa pelas variadas portadas cerradas através das quais sai uma fraca luminosidade. Não é de todo convidativo bem sei, mas e porque não um último impulso irracional de alguém que anseia algo diferente de tudo aquilo a que já teve direito? Algo sublimemente fora de série e espectacular ao ponto de em cada acorde, em cada nota, em cada respiração provocar uma completa explosão no nosso interior, sentir um misto de alegria e tristeza, revolucionando de uma forma calma e metódica toda uma concepção do conceito de Música.
Não é algo fácil de se conseguir, especialmente porque é preciso saber entrar timidamente nesse pequeno e escuro café, encontrar o nosso lugar, pedir a nossa bebida e sincronizar a nossa batida com a da melodia que ecoa e enche a alma no preciso momento em que a última gota cai acompanhando o eco cada vez mais distante de algo que enchera aquele bar de uma maneira indescritível.
Não falo de algo utópico, a perfeição rítmica, criativa e apaixonada da Música realmente existe. Não é algo acessível, é uma musicalidade difícil e que só se compreende quando abrimos a mente e deixamos escapar tudo o quanto seja acessório na nossa vida, apenas quando música é tudo o que sobra somos capazes de sentir o vibrar do violino, o ressoar da caixa de rufo, o moroso sussurrar do baixo ou o silencioso tocar dos dedos nas teclas dos harmónios, pianos e órgãos; coisas que por si só seriam simples ruído tornam-se num contexto geral algo mais que conhecimento, muito acima do homem ou da vida. Tornam-se na mais perfeita melodia que aquele Café do Pinguim e a sua Orquestra nos podem proporcionar. Não é um tipo de música fácil, nunca o foi o Jazz quanto mais o Jazz de Câmara, é uma modalidade fechada e algo difícil de interiorizar mas trás com ele a promessa de conferir a quem lhe dedicar algum tempo a mais espectacular das sensações, que há coisas nesta vida que valem a pena.
Não basta ouvir ou ver, é preciso sentir, é preciso ser uno com ela, deixar que o mais simples som se faça ressoar através de nós e que com ele transporte um pouco da nossa essência.
De toda essa panóplia de informação biográfica desde terem tido 25 anos de actividade até terem sido simplesmente um dos mais influentes grupos de música de câmara na história da música, passando pelo seu trágico fim aquando da morte do seu líder e mentor, Simon Jeffes que desde o órgão à guitarra,passando pela flauta ou até pelo português cavaquinho, tudo sabia tocar e encantar; nada do que diga se poderá comparar à simples descrição de todo esse conjunto de sensações diferentes e únicas que Penguin Cafe Orchestra proporciona. Não me vejo como um guru musical, vejo-me sim como um vendedor de sonhos que de bom grado e em troca de um sorriso partilha aquilo que ainda vai dando alguma cor a esta vida que cada vez mais é em tons de sépia.
Há música em mim, em ti, nele, nós, vós e eles. Desde as mais profundas entranhas da terra ao mais alto dos planaltos, do calor do deserto às neves das montanhas. Tudo isto é Música, tudo isto é Vida.
Penguin Cafe Orchestra
Site
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
É tão simples...
que liga a vida, a esse jogo,
joga comigo, um jogo novo,
com duas vidas, um contra o outro.
Já não basta,
esta luta contra o tempo,
este tempo que perdemos,
a tentar vencer alguém.
Ao fim ao cabo,
o que é dado como um ganho,
vai-se a ver desperdiçamos,
sem nada dar a ninguém.
Anda, faz uma pausa,
encosta o carro,
sai da corrida,
larga essa guerra,
que a tua meta,
está deste lado,
da tua vida.
Muda de nível,
sai do estado invisível,
põe o modo compatível,
com a minha condição,
que a tua vida,
é real e repetida,
dá-te mais que o impossível,
se me deres a tua mão.
Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q'essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes,
é a tua que,
mais perde se não vens.
Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q'essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes,
é a tua que,
mais perde se não vens.
Anda, mostra o que vales,
tu nesse jogo,
vales tão pouco,
troca de vício,
por outro novo,
que o desafio,
é corpo a corpo.
Escolhe a arma,
a estratégia que não falhe,
o lado forte da batalha,
põe no máximo o poder.
Dou-te a vantagem, tu com tudo, eu sem nada,
que mesmo assim, desarmada, vou-te ensinar a perder.
Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q'essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes,
é a tua que,
mais perde se não vens.
Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q'essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes,
é a tua que,
mais perde se não vens.
Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q'essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes,
é a tua que,
mais perde se não vens.
Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q'essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes,
é a tua que,
mais perde se não vens.
Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q'essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes,
é a tua que,
mais perde se não vens"
Deolinda - Um Contra o Outro
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Terra do Nunca
Diz-me, quantas vezes sentiste esse alucinante e surreal sentimento de alegria no seu estado puro? Esse que te faz voltar à folia da infância há muito acabada: desde o primeiro soldadinho de chumbo com a sua fiel baioneta e a indispensável corneta, até ao primeiro camião de obras, passando por toda essa parafernália de gruas, homens de pás e picaretas.
Isto sem nunca esquecer as betoneiras a completar toda uma equipa indispensável à construção e protecção dessa fortaleza de sonhos e aspirações que tão soubeste construir e manter e, por fatalidade da vida, cujo projecto perdeste por completo à medida que o tempo, sempre esse vil e desleal adversário, passou por ti transformando o menino em jovem e em homem; uma troca injusta de felicidade e inocência por maturidade e dever…
Deixaste de ser o pequeno e genial projectista que ao seu lento ritmo construía um após outro os alicerces da sua bela juventude, para te tornares num mestre obras de coração frio que a tudo e todos deve temor e desconfiança. A beleza e a imponência pouco mais são que o resultado do sacrifício forçado e pouco apetecível da criança que eras para te tornares no sombrio ser que tanto recearas e negligenciaras ao longo desses anos dourados, agora finados.
O soldadinho deixou de tocar a sua corneta e desertou do seu posto de guarda, os teus trabalhadores, esses que outrora com alegria e engenho tanto construíam e projectavam agora, sem matéria prima para continuar o teu sonho de menino, partiram em busca de quem de braços e alma abertos os recebam.
Resta-te apenas essa tua velha e poeirenta fortaleza, que é agora pesadelo persistente da glória e esplendor que um dia tiveste e para sempre perdeste. Os trovadores já não se ouvem, apenas o vento canta por entre as gélidas e inóspitas paredes de pedra. A obra mantém-se mas a alma desmoronou e não mais lhe dará vida...
Isto sem nunca esquecer as betoneiras a completar toda uma equipa indispensável à construção e protecção dessa fortaleza de sonhos e aspirações que tão soubeste construir e manter e, por fatalidade da vida, cujo projecto perdeste por completo à medida que o tempo, sempre esse vil e desleal adversário, passou por ti transformando o menino em jovem e em homem; uma troca injusta de felicidade e inocência por maturidade e dever…
Deixaste de ser o pequeno e genial projectista que ao seu lento ritmo construía um após outro os alicerces da sua bela juventude, para te tornares num mestre obras de coração frio que a tudo e todos deve temor e desconfiança. A beleza e a imponência pouco mais são que o resultado do sacrifício forçado e pouco apetecível da criança que eras para te tornares no sombrio ser que tanto recearas e negligenciaras ao longo desses anos dourados, agora finados.
O soldadinho deixou de tocar a sua corneta e desertou do seu posto de guarda, os teus trabalhadores, esses que outrora com alegria e engenho tanto construíam e projectavam agora, sem matéria prima para continuar o teu sonho de menino, partiram em busca de quem de braços e alma abertos os recebam.
Resta-te apenas essa tua velha e poeirenta fortaleza, que é agora pesadelo persistente da glória e esplendor que um dia tiveste e para sempre perdeste. Os trovadores já não se ouvem, apenas o vento canta por entre as gélidas e inóspitas paredes de pedra. A obra mantém-se mas a alma desmoronou e não mais lhe dará vida...
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Music for a Found Harmonium
Falar de música é acima de tudo falar de ti e do modo como concentras em ti o que sobejamente há de melhor nela.
Como o teu sorriso lembra a mais alegre das canções ou como o teu simples andar pela mais modesta rua é tão mais que isso trazendo à memória toda a elegância e glamour do soul do qual és a sua inegável diva.
A forma singela como um mero respirar teu não sai do compasso estabelecido pelo teu coração, maestro e compositor de toda a música que és e há em ti. A pureza e leveza do teu ser à qual balada alguma se poderá equiparar de tão indefinível que é; pois toda tu és arte e graciosidade que marca qualquer um afortunado o suficiente para sentir em si nem que seja uma pequena porção da imensa Ode que de ti exalta.
Como não suspirar pela honra de desfrutar de tudo isso: desde a tua alegria ao teu desespero que transforma o mais agradável dos luares no mais escuro dos calabouços da noite onde apenas penetra o vil e depressivo Jazz e dar a experimentar toda uma sensação de impotência para com o sofrimento da frágil e delicada alma que no fundo de ti existe, por trás de toda essa rebeldia que música alguma um dia chegará para descrever.
A tua essência requer, tal e qual a mais sensível das árias, o maior carinho dos músicos para com a mais sublime das melodias, escrita pelas tuas mãos que são a caneta de pena em tons de vermelho marca para sempre essa infinita e bela pauta musical que é a vida; a sua e mais concretamente a dos pobres de alma que ambicionam um dia simplesmente senti-la ecoando nos seus afortunados ouvidos vinda quer da tua voz, suave como a ancestral mas não menos romântica e harmoniosa Harpa, do leve assobiar da primeira brisa matinal ou do último raiar do crepúsculo; tendo sempre por musa essa unicidade que és tu.
Como o teu sorriso lembra a mais alegre das canções ou como o teu simples andar pela mais modesta rua é tão mais que isso trazendo à memória toda a elegância e glamour do soul do qual és a sua inegável diva.
A forma singela como um mero respirar teu não sai do compasso estabelecido pelo teu coração, maestro e compositor de toda a música que és e há em ti. A pureza e leveza do teu ser à qual balada alguma se poderá equiparar de tão indefinível que é; pois toda tu és arte e graciosidade que marca qualquer um afortunado o suficiente para sentir em si nem que seja uma pequena porção da imensa Ode que de ti exalta.
Como não suspirar pela honra de desfrutar de tudo isso: desde a tua alegria ao teu desespero que transforma o mais agradável dos luares no mais escuro dos calabouços da noite onde apenas penetra o vil e depressivo Jazz e dar a experimentar toda uma sensação de impotência para com o sofrimento da frágil e delicada alma que no fundo de ti existe, por trás de toda essa rebeldia que música alguma um dia chegará para descrever.
A tua essência requer, tal e qual a mais sensível das árias, o maior carinho dos músicos para com a mais sublime das melodias, escrita pelas tuas mãos que são a caneta de pena em tons de vermelho marca para sempre essa infinita e bela pauta musical que é a vida; a sua e mais concretamente a dos pobres de alma que ambicionam um dia simplesmente senti-la ecoando nos seus afortunados ouvidos vinda quer da tua voz, suave como a ancestral mas não menos romântica e harmoniosa Harpa, do leve assobiar da primeira brisa matinal ou do último raiar do crepúsculo; tendo sempre por musa essa unicidade que és tu.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Calico
Grandes e imponentes máquinas a vapor delimitavam as linhas dum horizonte que não era mais selvagem, as suas chaminés as tuas montanhas, o seu fumo a tua névoa e o teu sol…as lanternas que alumiavam as tuas ruas noite fora. Foste o culminar da terrível máquina industrial mas mesmo o sendo soubeste dota-la de um coração, mais do que isso: espelhaste a alegria em todos quantos enterravam em ti as suas vidas, solo a solo, dia a dia. Foste o El Dorado dos tolos e o paraíso de poucos mas a todos fizeste promessas surreais de glória e riqueza.
Os sons das tuas engrenagens eram os cânticos que ecoavam nas cabeças das novas gerações que ansiavam um dia poder, tal como seus pais, aventurar-se nas profundezas dessa terra que já não era só tua mas vossa. Bravos os mineiros que te enfrentavam e nos teus confins buscavam a riqueza, valentes os moços das vagonetas que desciam rapidamente por esses escuros túneis tendo por amigo a boa e velha candeia que fazia das trevas nada mais que um pequeno relance de nostalgia. Melodiosos os ferreiros que trabalhavam o aço que um dia seria mais ou uma singela picareta ou o mais trabalhado dos revólveres, tamanho fascínio exercias nos viajantes que uma vez chegados não mais conseguiam partir.
E essas tuas noites cheias de luz e vida que não se restringiam aos bares e animavam as toda a cidade, o som da guitarra a ecoar por essas já poeirentas ruas acompanhado do troar do saxofone e o ritmo frenético do piano tocado pelo taberneiro (com a sua musa e amor ao lado) faziam esquecer o sofrimento da vida diurna e mudavam drasticamente as caras pálidas e poeirentas dos mineiros que, nem que apenas por um relance, esqueciam todos os perigos que os esperavam na manhã seguinte.
O teu luar que teve sempre por companheira a harmónica do velho xerife, que desde a sua cadeira no seu alpendre contemplava toda uma cidade que amava como ninguém mais poderia amar: desde o simples fumo que das chaminés subia rumo aos céus, num zigue zague constante até ao uivo dos coiotes, sem o qual com toda a certeza a sua música não seria a mesma.
Mas ninguém é eterno e também a harmónica morreu levando com ela os coiotes e quem sabe, também um pouco de ti que perdias o teu maior amante e amigo. E quando a velha companhia de mineração dá por encerrada a mina e cessa o assobio pelo vapor das velhas máquinas e os jovens não mais sentem o seu chamamento é o fim. Mineiros, ferreiros, carpinteiros, homens de arte e engenho todos são obrigados à sua última viagem na velha Maria Fumo (como tão docemente haviam apelidado a fiável locomotiva) que os levará a novos destinos com a incerteza de um dia aí voltar.
Foram-se os juventudes, ficaste tu e outros que tal como o bom xerife a ti haviam feito juras de amor. Ficou o bar, a estação, a formosa escola e o posto dos correios.
Os dias já não eram pautados por qualquer som, apenas o vento a bater nas inertes portadas de madeira que oscilavam para trás e para a frente; e as noites passava-as o taberneiro no seu bar, sentado ao piano rodeado por uma plateia incapaz, tal como ele, de deixar a vida naquela sua pequena mas acolhedora cidade.
O professor entregue ao seu gin tónico e ao seu cachimbo marcado pelos anos perguntava-se quanto tempo mais aquela espera pelo fim duraria para ser logo a seguir animado pelo coveiro, que apesar do malfadado ofício adorava todo aquele isolamento, não teve de esperar muito… Num espaço de meses ficaste sem o teu pai e mentor, que educara as tuas crianças e delas fizera homens e mulheres como nunca outra cidade tivera. O velho telegrafista não resistiu a uma pneumonia e soltaria a sua última palavra de apreço a ti na primavera seguinte. Restava agora o coveiro, o funcionário da estação e o taberneiro, perdão; apenas os dois primeiros pois oeste último farto da solidão e de intermináveis noites sentado ao piano, já com as teclas de marfim gastas pelo tempo, quis reencontrar a sua há muito perdida esposa e amor de uma vida, vítima da tuberculose.
Partia assim o último Comboio, com a certeza de nunca mais voltar.
Ficaram para trás vidas, misteriosos contos e lendas dos grandes aventureiros que um dia em ti mas acima de tudo por ti existiram. Só a Lua e as montanhas que te rodeiam se irão lembrar do velho xerife e da sua harmónica, do taberneiro enamorado pela música ou do professor que definhou no leito de morte pelo pupilo que tantos anos esperara em vão. Só eles sabem o quanto sofreram as tuas gentes e quanto te amaram. Só eles sabem quem tu um dia foste...
Calico.
Os sons das tuas engrenagens eram os cânticos que ecoavam nas cabeças das novas gerações que ansiavam um dia poder, tal como seus pais, aventurar-se nas profundezas dessa terra que já não era só tua mas vossa. Bravos os mineiros que te enfrentavam e nos teus confins buscavam a riqueza, valentes os moços das vagonetas que desciam rapidamente por esses escuros túneis tendo por amigo a boa e velha candeia que fazia das trevas nada mais que um pequeno relance de nostalgia. Melodiosos os ferreiros que trabalhavam o aço que um dia seria mais ou uma singela picareta ou o mais trabalhado dos revólveres, tamanho fascínio exercias nos viajantes que uma vez chegados não mais conseguiam partir.
E essas tuas noites cheias de luz e vida que não se restringiam aos bares e animavam as toda a cidade, o som da guitarra a ecoar por essas já poeirentas ruas acompanhado do troar do saxofone e o ritmo frenético do piano tocado pelo taberneiro (com a sua musa e amor ao lado) faziam esquecer o sofrimento da vida diurna e mudavam drasticamente as caras pálidas e poeirentas dos mineiros que, nem que apenas por um relance, esqueciam todos os perigos que os esperavam na manhã seguinte.
O teu luar que teve sempre por companheira a harmónica do velho xerife, que desde a sua cadeira no seu alpendre contemplava toda uma cidade que amava como ninguém mais poderia amar: desde o simples fumo que das chaminés subia rumo aos céus, num zigue zague constante até ao uivo dos coiotes, sem o qual com toda a certeza a sua música não seria a mesma.
Mas ninguém é eterno e também a harmónica morreu levando com ela os coiotes e quem sabe, também um pouco de ti que perdias o teu maior amante e amigo. E quando a velha companhia de mineração dá por encerrada a mina e cessa o assobio pelo vapor das velhas máquinas e os jovens não mais sentem o seu chamamento é o fim. Mineiros, ferreiros, carpinteiros, homens de arte e engenho todos são obrigados à sua última viagem na velha Maria Fumo (como tão docemente haviam apelidado a fiável locomotiva) que os levará a novos destinos com a incerteza de um dia aí voltar.
Foram-se os juventudes, ficaste tu e outros que tal como o bom xerife a ti haviam feito juras de amor. Ficou o bar, a estação, a formosa escola e o posto dos correios.
Os dias já não eram pautados por qualquer som, apenas o vento a bater nas inertes portadas de madeira que oscilavam para trás e para a frente; e as noites passava-as o taberneiro no seu bar, sentado ao piano rodeado por uma plateia incapaz, tal como ele, de deixar a vida naquela sua pequena mas acolhedora cidade.
O professor entregue ao seu gin tónico e ao seu cachimbo marcado pelos anos perguntava-se quanto tempo mais aquela espera pelo fim duraria para ser logo a seguir animado pelo coveiro, que apesar do malfadado ofício adorava todo aquele isolamento, não teve de esperar muito… Num espaço de meses ficaste sem o teu pai e mentor, que educara as tuas crianças e delas fizera homens e mulheres como nunca outra cidade tivera. O velho telegrafista não resistiu a uma pneumonia e soltaria a sua última palavra de apreço a ti na primavera seguinte. Restava agora o coveiro, o funcionário da estação e o taberneiro, perdão; apenas os dois primeiros pois oeste último farto da solidão e de intermináveis noites sentado ao piano, já com as teclas de marfim gastas pelo tempo, quis reencontrar a sua há muito perdida esposa e amor de uma vida, vítima da tuberculose.
Partia assim o último Comboio, com a certeza de nunca mais voltar.
Ficaram para trás vidas, misteriosos contos e lendas dos grandes aventureiros que um dia em ti mas acima de tudo por ti existiram. Só a Lua e as montanhas que te rodeiam se irão lembrar do velho xerife e da sua harmónica, do taberneiro enamorado pela música ou do professor que definhou no leito de morte pelo pupilo que tantos anos esperara em vão. Só eles sabem o quanto sofreram as tuas gentes e quanto te amaram. Só eles sabem quem tu um dia foste...
Calico.
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Sonho de uma Noite de Verão
Podias ter sido tudo, mais do que um olhar momentâneo e fugaz que engana a alma e consume o coração, ser fogo e ser ardor. O teu andar sinuoso e gracioso pelas estreitas ruelas que à tua passagem se encantavam e murmuravam o canto da noite, dessa que roubavas e tornavas tua de uma maneira tão inocente quanto apaixonada. Ao teu sorriso retribuíam a mais suave das brisas que os teus cabelos tanto gostavam de acariciar; como censurar a vontade de tocar e sentir a perfeição que de ti exalta, como negar que és mais que uma mísera nota na melodia quando tu própria foste a musa, essência e alma desse cântico que fazes ecoar pela calçada, essa mesma calçada onde o Mondego conta a Coimbra os seus amores horas afim, essa mesma que tantos viu e poucos realmente sentiu.
A lenta melodia dos teus passos e o som do teu sorriso conquistam e enfeitiçam tudo quanto beijam, maldita mulher que roubas o protagonismo à senhora Lua e com ele abalas o mundo, ninguém nunca o saberá…
Revolta-me não ser capaz de to cantar, declamar ou simplesmente confessar, querer e não conseguir ser a rua pela qual o inverso de ti tanto anseia ou simplesmente não te saber tocar sem estragar a Ode que a tua existência é.
És vida para qualquer amante desta, heroína dos loucos e panteão da imaginação.
Poderias de facto ter sido tudo isso, mas nem eu sou a rua que queres nem tu saberias como tocar de letra nela, és delicadeza e rebeldia és demasiado para tão pouco coração, enlouqueces com um olhar para a seguir entristecer com um sorriso que nunca será meu, do qual nunca poderei ser razão ou ladrão. És o sonho efémero de uma noite de verão. Dessa noite que nunca será nossa, numa rua que nunca poderia ter sido a minha. Nada disto teria sido real
Apenas tu…
03h01
9 de Julho de 2010
A lenta melodia dos teus passos e o som do teu sorriso conquistam e enfeitiçam tudo quanto beijam, maldita mulher que roubas o protagonismo à senhora Lua e com ele abalas o mundo, ninguém nunca o saberá…
Revolta-me não ser capaz de to cantar, declamar ou simplesmente confessar, querer e não conseguir ser a rua pela qual o inverso de ti tanto anseia ou simplesmente não te saber tocar sem estragar a Ode que a tua existência é.
És vida para qualquer amante desta, heroína dos loucos e panteão da imaginação.
Poderias de facto ter sido tudo isso, mas nem eu sou a rua que queres nem tu saberias como tocar de letra nela, és delicadeza e rebeldia és demasiado para tão pouco coração, enlouqueces com um olhar para a seguir entristecer com um sorriso que nunca será meu, do qual nunca poderei ser razão ou ladrão. És o sonho efémero de uma noite de verão. Dessa noite que nunca será nossa, numa rua que nunca poderia ter sido a minha. Nada disto teria sido real
Apenas tu…
03h01
9 de Julho de 2010
quarta-feira, 7 de julho de 2010
Cinema Paraíso
Reluzentes cadeiras de estofos escarlate essas que povoavam as tuas amplas salas, catedrais e mausoléus de glória e arte.
Ansiosas a cada nova sessão, como tão bem as habituaste, por saber quais os amores e traições reservadas a esse galã que, apesar de ser o mesmo de sempre, cheirava a novo. Fascinavam-se com as suas falas, rejubilavam de cada vez que a sua espada decepava um após o outro todo um exército de bárbaros, exaltaram com cada novo amor para por fim, no seu leito de morte chorarem desalmadamente, após míticos dragões e bestas derrotadas a sua existência cessava por força do velho inimigo – o tempo esse que não perdoa.
Foram o conforto de milhares, com eles riram, gritaram de horror até à exaustão e desesperaram com os dramas e os romances impossíveis. As mais fiéis companheiras que um amante da sétima arte pode encontrar nesse mundo aparte que Tu e só Tu poderias criar. Forrado a negro, com as tuas letras tatuadas em tons de sangue pelas tuas filas que desciam suavemente rumo ao palco dos sonhos onde tudo é possível e o nosso imaginário pode vezes sem conta correr livre e inocente.
Ensinaste como as estrelas beijam a noite e como a areia seduz as ondas do mar, ensinaste que a miséria da vida é suplantada por efémeros momentos de pura alegria.
Deliciaste crianças com os teus contos fantásticos dos grandes heróis da história, aterrorizaste com alguns dos mais horrendos vilões que algum dia tiveram o desprazer de conhecer. Gelaste-me de medo deixando-me sozinho no meio daquele oceano de silêncio e escuridão para logo de seguida me aqueceres com o fogo do teu projector e as melodias que das tuas negras colunas saíam incessantemente.
Como se puderam esquecer de ti e entregar-te de forma tão decidida ás aranhas, como puderam deixar que o teu negro fosse acinzentado pelas inúmeras teias que tingiram as tuas paredes, como deixaram o pó tocar no teu soberbo projector, como diz-me como!? O escarlate está agora manchado com as lágrimas que vertes após tantos anos a fabricar alegrias e fantasias. O teu ar clássico marcou toda uma geração, filhos foram pais, foram avós mas, Tu nunca mudaste e uns após os outros a todos foste refúgio e fonte de inspiração.
Como puderam fazer-te isto, deixar-te morrer assim e pior que isso, sem nunca se terem despedido de ti. Tu que foste mentor e professor, foste pai, irmão e filho mas muito mais que isso...
...foste Cinema Paraíso.
05h59
7 de Julho, 2010
Ansiosas a cada nova sessão, como tão bem as habituaste, por saber quais os amores e traições reservadas a esse galã que, apesar de ser o mesmo de sempre, cheirava a novo. Fascinavam-se com as suas falas, rejubilavam de cada vez que a sua espada decepava um após o outro todo um exército de bárbaros, exaltaram com cada novo amor para por fim, no seu leito de morte chorarem desalmadamente, após míticos dragões e bestas derrotadas a sua existência cessava por força do velho inimigo – o tempo esse que não perdoa.
Foram o conforto de milhares, com eles riram, gritaram de horror até à exaustão e desesperaram com os dramas e os romances impossíveis. As mais fiéis companheiras que um amante da sétima arte pode encontrar nesse mundo aparte que Tu e só Tu poderias criar. Forrado a negro, com as tuas letras tatuadas em tons de sangue pelas tuas filas que desciam suavemente rumo ao palco dos sonhos onde tudo é possível e o nosso imaginário pode vezes sem conta correr livre e inocente.
Ensinaste como as estrelas beijam a noite e como a areia seduz as ondas do mar, ensinaste que a miséria da vida é suplantada por efémeros momentos de pura alegria.
Deliciaste crianças com os teus contos fantásticos dos grandes heróis da história, aterrorizaste com alguns dos mais horrendos vilões que algum dia tiveram o desprazer de conhecer. Gelaste-me de medo deixando-me sozinho no meio daquele oceano de silêncio e escuridão para logo de seguida me aqueceres com o fogo do teu projector e as melodias que das tuas negras colunas saíam incessantemente.
Como se puderam esquecer de ti e entregar-te de forma tão decidida ás aranhas, como puderam deixar que o teu negro fosse acinzentado pelas inúmeras teias que tingiram as tuas paredes, como deixaram o pó tocar no teu soberbo projector, como diz-me como!? O escarlate está agora manchado com as lágrimas que vertes após tantos anos a fabricar alegrias e fantasias. O teu ar clássico marcou toda uma geração, filhos foram pais, foram avós mas, Tu nunca mudaste e uns após os outros a todos foste refúgio e fonte de inspiração.
Como puderam fazer-te isto, deixar-te morrer assim e pior que isso, sem nunca se terem despedido de ti. Tu que foste mentor e professor, foste pai, irmão e filho mas muito mais que isso...
...foste Cinema Paraíso.
05h59
7 de Julho, 2010
quinta-feira, 27 de maio de 2010
Escrever de Olhos Fechados
Coisa fenomenal essa, escrever sem olhar, sem pensar, sem regra ou pauta, um escrever porque sim, porque sai, porque não é restringido por sentimentos, é expressão no seu estado mais puro e ardente. Quantas vezes já não dei por mim a desejar fazê-lo, a ser capaz de escrever sem que através disso fique embrenhado em infindáveis pensamentos, cada um capaz a suscitar os seus próprios sentimentos. Como seria bom poder escrever sem medo, medo de sofrer ao escrever, medo de memórias passadas ou até futuras, medo de tudo o que volte a reviver ou viva antes do tempo, medo de simplesmente ser. Medo das consequências que tanto nos podem condicionar. Escrever direito do coração, sincero ao máximo, com todo o sentimentalismo que transmita, o quão maravilhoso seria se um fosse capaz de o fazer. Haveriam obras mais sentidas, histórias escritas com mais paixão, tudo seria mais intenso, tudo seria escrita e toda a escrita seria vida. Ai escrever de olhos fechados, se ao menos pudesse…
terça-feira, 4 de maio de 2010
Uma boa duma rambóia.
A Orquesta que se meteu à estrada.
Num qualquer recanto sombrio de uma antiga taberna daquelas à moda portuguesa é comum encontrar, nos dias que correm, um conjunto de jovens músicos que, alegram e dão luz por aquela taberna fora, transformando a mais decadente das tabernas no mais acolhedor dos locais neste país.
Parece uma tarefa difícil mas não para quem conta nas suas fileiras com a bela da guitarra acústica que enche todo um coração o bom, velho e já conhecido ecoar de um contrabaixo fundido com o da bombo e adaptado aos apertos dos dias que correm, desde o estrilhaçar de uma Guitarra Portuguesa (versão conimbricense como manda a praxe) a qual é esgalhada até não poder mais e retirando dela toda a sua essência, sonoridade e alegria a um acordeonista que maneja o seu instrumento como se uma bela rapariga se tratasse ou de um trompetista que até a sua alma sopraria para o seu instrumento se tanto lhe garantisse a melhor das melodias.
Quando a isto juntamos o inegável carisma e talento de uma linda mulher temos algo fora do normal neste país.
Com Pablo, o homem do leme(baixo&batida); Lima, o arquitecto (guitarra portuguesa); Zeto, o rapaz d’aço (Violino&Guitarra Acústica); Donatelo, o bon vivant (Acordeão); Marques, o mestre da algazarra (trompetista) e Miranda, a das cantiguinhas na boca (vocalista), OquesTrada esta!
Já existem à vontade desde 2002 mas apenas o ano passado gravaram o seu primeiro álbum que ilustra na perfeição aquilo em que transforma todo e qualquer espaço que agraciem com a sua presença: "Tasca Beat! O Sonho Português!" E que sonho este!
De um ritmo contagiante que alumina noite a dentro os corações daqueles que por vontade e escolha decidem com eles fazer a festa.
Tendo um reportório variado e grandes temas como "Kekfoi" , "Oxalá te Veja" ou ainda mesmo "Qualquer coisa me anima" sem esquecer as suas reedições da fantástica "Se esta Rua fosse minha" à qual juntaram de forma genial o "2º Andamento em Fuga" e que andamento! Quem dera à música portuguesa contar com mais de onde estes vieram.
Myspace
Sugestão Pessoal
(Lista de Reprodução no Youtube com algumas daquelas que considero as suas melhores músicas, não dispensa audição do restante reportório)
A Big Band Caricata
Mas a verdade é que mudando um pouco de ares para um ambiente mais boémio, sem no entanto nunca sair de dentro da tasca, deparamo-nos com um outro caricato grupo mais ou menos dentro da mesma onda:
Kumpania Algazarra!
Trazendo até nós uma sonoridade inspirada nos quatro cantos do mundo, desde a alegria contagiante do Klezmer, passando pelo mistério infinito dos ritmos árabes e do médio oriente passando pela genica de uma Big Band de década de 20 e acabando como não podia deixar de ser na boa música popular portuguesa; são certamente um conjunto multifacetado e capaz de levar à loucura o mais comedido.
Senhores de uma pujança fora do vulgar e com um gosto tremendo pelo que fazem, assim se descreve numa frase este grande grupo que não tem recebido tanta atenção quanta merecia.
Quando saem à rua tem o único propósito de levar a alegria e algazarra àqueles que de bom grado a eles se queiram juntar e por essas ruas cantar de manhã à noite. Com paragem aqui e ali assegurada para um qualquer tasco sombrio animar, continuando depois noite fora à luz da lua e da fogueira cantando em várias línguas e ritmos até à exaustão adormecendo então sobre um céu estrelado.
As suas músicas ilustram aquilo que eles representam, uma pluralidade fantástica de gentes e ritmos. Globalização é com eles!
Levam a alegria a qualquer festa e não perdem uma festa popular das antigas.
Myspace
Sugestões Pessoais
(Lista de Reprodução no Youtube com algumas daquelas que considero as suas melhores músicas, não dispensa audição do restante reportório)
Klezmer Revisited
Viajando um pouco pelo mundo até à Europa de Leste sem no entanto sair de Portugal encontramos algo fora de série: Chamam-se Melech Mechaya e à primeira vista têm tudo a ver com um grupo de camponeses descontextualizado no tempo convidando, no entanto a um olhar mais atento, reparando-se então que debaixo do braço todos trazem uma caricata alfaia (violino, clarinete, guitarra, contrabaixo e percussão).
Trazendo até nós uma composição inspirada maioritariamente no Klezmer dos balcãs, na música cigana e na alegria levam-nos a viajar, desde o Ocidente ao Oriente, começando em Portugal e acabando em Israel, Melech Mechaya não é simples música, é uma celebração, uma rambóia interminável que envolve o público e confere uma vontade incontrolável de deixar as cadeiras arrumadas o resto da noite e dançar sem parar ao som dos mais variados temas que fazem parte da sua cultura musical.
Nada do que eu possa dizer sobre este grande conjunto algum dia se equipará à simples audição dos seus registos, como tal aqui fica, quanto a mim calo-me e deixo tocar aqueles que com tanta alma o fazem
Myspace
Sugestão
Canal do grupo no youtube
A nossa produção musical está longe de ser má. Temos música óptima, apenas se aposta nos artistas errados.
Diabo na Cruz - Virou!
E assim do nada, sem aviso prévio, aconteceu! Virou! Ninguém o esperava nem tão pouco estava preparado para algo assim, pelo menos neste pardieiro musical em que o nosso país se tem vindo a transformar nas últimas décadas, sobe a alçada ‘orgulhosa’ da MTV Portugal.
Felizmente de tempos a tempos ainda vão aparecendo umas agradáveis aragens de boa música.
Já o caso de Diabo na Cruz é um autêntico furacão no panorama da música nacional. Nunca por cá se tinha feito algo de igual a este nível. Os Sitiados andaram muito perto é um facto, mas são os Diabo na Cruz que se podem orgulhar de ter sido o primeiro Grupo a levar o folclore até ao Rock N’ Roll e mistura-lo com uma consistência, beleza, uma criatividade espantosa e uma harmonia fora do comum.
Se tivesse de escolher um par de álbuns para representar o que de melhor por cá se tem feito este ‘Virou’ teria obrigatoriamente que figurar entre os lugares cimeiros. Não é um fardo fácil este que eles suportam, porque quer se queira quer não, nos dias que correm são eles o motor da criatividade da música portuguesa, um motor que apesar de modesto é fiável e robusto; no entanto também não é algo novo para este intrépido conjunto que conta no alinhamento com músicos de renome, a começar no mentor e vocalista Jorge Cruz (já participou por exemplo no projecto Superego que foi um dos mais promissores no campo da música alternativa portuguesa), Bernardo Barata(dos Feromona), Pinheiro, B Fachada e João Gil (não o dos Filarmónica Gil).
Mas a verdade é apenas uma, se a tarefa que lhes era proposta era de outro mundo, desse mesmo mundo veio a resposta, na forma de uma robusta mas bela mulher do campo a quem carinhosamente chamamos Dona Ligeirinha. Foi ela que ao lado de Vitorino anunciou "O Regresso da lebre" e prosseguiu com este cantarolando pelas longas e vastas planícies alentejanas sendo apenas capaz de proferir "Tão Lindo" e derretendo inúmeros corações na sua jornada.
Tendo finalmente chegado a uma pacata aldeola com pequenas mas acolhedoras e soalheiras casas, sentou-se numa cozinha cantando ao sol que "Os Loucos estão certos" e que também ela estava louca por alguém, o que apenas poderia resultar em "Casamento" , mas quem seria digno de tal amor desta bela e irreverente jovem? Isso aí foi o "Bico de um prego" para resolver mas após algum tempo a seguir um vulto, fazendo montes e vales a cantar o seu amor finalmente o alcançou: "Dom Fuas Roupinho" que curiosamente também o amor procurava, uma certa moça que para ele era a mais bela, que certo dia havia visto a cantarolar alegremente pelos caminhos desse Alentejo e nunca mais vira desde então, desejava partilhar tudo com ela, se ao menos a pudesse descobrir… Até que certo dia pelas ruas dessa aldeola uma serena mas tocante melodia ecoou e Roupinho na hora da chegada dessa melodia "Fecha a Loja" e parte em busca dessa "Canção do Monte" onde por fim a acha e lhe pede a sua mão e lhe confessa o seu amor e dedica a sua existência. No seu jeito único convida-o para um "Corridinho de Verão" ao qual ele acede dançando desde o sopé até ao cimo desse belo monte de onde juntos miram a longa e infindável planície num suspiro partilhado na troca de um beijo longo e merecido.
Há tanto Tempo que não se via "Bom Tempo" …
Não viraram apenas as suas vidas, viraram igualmente a música portuguesa do avesso bem como a um qualquer apreciador de boa música. Nada fazia esperar algo desta magnitude por esta altura. Resta ouvir e sorrir.
Algumas Músicas
Pois é Roque, então? Então que seja Roque! E Virou!
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
O Cronocida - Capítulo I - Exolotic
Através das ruelas estreitas e obscuras de Exolotic um vulto movia-se de forma rápida mas silenciosa, permitindo vislumbrar pouco mais que a projecção da sua sombra aqui e acolá por um ou outro candeeiro de rua.
Exolotic era uma cidade reconstruída tal como muitas outras no entanto esta tinha uma particularidade que a seu tempo vos contarei.
Certo é que após aquele estranho acontecimento, onde antes havia betão armado e altos esqueletos metálicos existiam agora terra e árvores semi-derrubadas mas mais incrível que tudo o que ali se podia ver e sentir era a estranha radiação que era possível detectar naquela área, não era uma radiação conhecida ao homem, era totalmente desconhecida, algo novo e como tal passível de ser perigosa ou não. No entanto, temendo os eventuais efeitos daquela estranha força da natureza muitos clamaram que seria totalmente desaconselhável reerguer a cidade naquele mesmo local. Optou-se assim por deslocar a cidade cerca de 50 quilómetros a nordeste da antiga cidade, criando-se à volta desta um perímetro de isolamento com cerca de 20 quilómetros de raio.
Certo é que a antiga Exlotic havia sido retomada pela Natureza e agora grande parte dos seus edifícios semi-colapsados, ruas e avenidas encontravam-se pintados em tons de verde, um verde que representava tanto a vitalidade como também o abandono. Era triste olhar para toda aquela desolação, aquele abandono. Vislumbrar aquele cenário e pensar que outrora ali se desenrolaram tantas vidas, tantas felicidades e tristezas, tantos amores... A existência humana aparentava ter sido totalmente erradicada daquela zona, era de novo selvagem, terra virgem onde haviam inclusive reaparecido espécies que há muito eram dadas como extintas, aqueles 2800 quilometros quadrados eram agora sinónimo de regeneração.
A nova localização de Exolotic, diga-se, era bastante agradável. Situava-se num belo e verdejante vale irrigado por um rio que serpenteava desde as altas montanhas do interior - "É a terra prometida!"- diziam uns - "Ainda está demasiado perto, vão-se arrepender!" - palravam os mais cépticos. No entanto a decisão estava tomada, a reconstrução da cidade avançou.
Mais um reduto da natureza havia assim desaparecido.
Os imponentes pinheiros bravos haviam sido trocados por frios candeeiros de aço, a terra e a vegetação encontravam-se sufocadas pelo esguio betão e os belos rochedos que em grande abundância podiam ser visto tinham no seu lugar largos e sombrios blocos de apartamentos, quanto aos seus novos animais... bem, acho que dispensam qualquer apresentação.
Estava assim reconstruída uma sociedade que aparentava ser funcional, apenas aparentava... Desde a destruição da antiga, a localização da mesma não era a única coisa de diferente. As pessoas tornaram-se fechadas, contidas mas acima de tudo, temerosas a algo que desconheciam por completo e que não sabiam quando poderia voltar a acontecer. Esse é o pior dos medos, de algo que não conhecemos nem sabemos quando irá atacar, sem dúvida essa será a maior angústia - "Quando voltará a atacar? De que modo? Porquê? Que fizemos nós?".
Não será portanto de admirar que a partir do momento em que o sol se põe no Vale de Exolotic as ruas, que de dia se encontram apinhadas de pessoas vivendo freneticamente as suas vidas ignorando-se umas às outras o mais que podem, tornam-se locais desertos onde apenas marcam presença os mosquitos esvoaçando sobre uma qualquer fonte luminosa.
Exolotic era uma cidade de duas faces, sendo a sua face nocturna ainda pior que a diurna. Largas avenidas vazias e cheias do nada que era o tudo do dia a dia. Cinzentas e vis davam a ideia de estarem progressivamente a morrer. Alguma vez viram metal a derreter por efeito do calor? Pois bem, é exactamente assim que podemos descrever esse lento acontecimento... E a verdade era apenas uma...."Ainda estava demasiado perto...".
Com o tempo estranhos acontecimentos tiveram lugar, desde o céu com um tom estranhamente alaranjado na alvorada. Era quase como se... para Exolotic o tempo tivesse não só congelado como também recuasse... A natureza foi a primeira a aperceber-se da diferença, o raiar tal como o descrevi tingia os céus de laranja enquanto que o crepúsculo se caracterizava pelo típico nevoeiro matinal e o céu num tom azul carregado. O que isso poderia significar era uma pergunta para a qual não havia uma resposta... Pelos menos uma que fizesse sentido ou fosse coerente, porque profetas da desgraça isso há sempre.
Mas não fosse a espécie em questão o Homo Sapiens Sapiens, talvez pudesse ter existido um outro cuidado, uma maior preocupação. Uma vez mais optou-se por.... esquecer...quem sabe, por medo. Se o nosso mundo de um momento para o outro começasse a regredir e nada fosse o que uma vez foi quantos de nós não gostariam de tentar esquecer isso e parar num momento temporal distinto, aquele que mais nos convém e agrada fosse ele passado, presente ou quem sabe talvez futuro...
Claro que a recusa do tempo trás sempre graves consequências, quanto mais não seja a alienação da Natureza em que estamos inseridos, deixamos de possuir aquela ligação que todos os seres humanos possuem com o ambiente que integram, sentimos que nada mais nos prende aquele local, aquele tempo.
Mas claro, há sempre excepções. Daken...
segunda-feira, 16 de março de 2009
Unidade II - Custa-me...
...saber que estás longe, acima de tudo.
Que não poderei abraçar quando fraquejares e precisares daquele ombro que sempre terás...
Que não te poderei pegar ao colo quando estiveres eléctrica e precisares que te segurem...
Gostava de poder está lá sempre para ti, poder encher-te de beijos quando pedisses e mesmo quando não o fizesses, ter-te deitada no meu colo a fazer-te festas na tua face perfeita. Abraçar-te a cintura daquela forma que tu tanto gostas e ao qual responderias envolvendo-me o pescoço com os teus braços, e tocar assim muito lentamente nos teus lábios com os meus.
Custa... mesmo muito. Mas se for esse o maior problema, então por agora quero certamente continuar a tê-lo, pelo simples facto de valer a pena. Contigo qualquer coisa valeria a pena, fizeste-me acreditar que era possível, demonstraste-me que podia amar alguém a sério, que o conceito de amor realmente existe e não é apenas mais um dos muitos mitos literários, é algo que pode existir, desde que seja puro e sincero, intenso e indefinido. Ensinaste-me que não é algo que se consiga descrever eficazmente, não é possivel... Como se pode descrever o maior dos sentimentos? O sentimento que dá vida, que faz e cria o homem? É simplesmente impossível, mas ainda assim quero procurá-lo mas não sozinho... quero fazê-lo contigo. Pode levar um dia, uma semana, meses ou anos, mas tu és de certeza a pessoa com quem o quero fazer. Ninguém mais conseguiria ter este efeito em mim, consegues preencher o vazio que tinha. Se soubesses o aperto com que fico quando não falo contigo há pelo menos uma hora. Talvez não devesse ficar tão agarrado a alguém, talvez... Mas que estou eu a dizer? Eu quero ficar agarrado a ti, sei que o posso fazer, confio que nunca me irás falhar, que estarás sempre lá. Tendo alguém assim, como posso eu sequer considerar essa hipótese?
Adoro pensar em ti, pensar nesse sorriso que te rasga a cara e me ilumina, esse olhar que parece tímido ao inicio mas que entra tão profundamente no meu e me maravilha. Esses cabelos que caem de força quer ordenada quer desordenada.
Pensar em ti eléctrica como gostas de ser, de não parar quieta, de saltar, de cantar, imaginar-te feliz, adoro imaginar-te a sorrir, porque sei que assim aproveitas a vida e me fazes aproveitar a minha.
Fazes-me mais feliz do que alguma vez alguém poderia fazer. Conheces-me melhor do que eu mesmo, tens sempre a palavra certa para dizer no momento certo, ajudas-me tanto...
Amo-te
"...It found its way, couldn't be any other."
Que não poderei abraçar quando fraquejares e precisares daquele ombro que sempre terás...
Que não te poderei pegar ao colo quando estiveres eléctrica e precisares que te segurem...
Gostava de poder está lá sempre para ti, poder encher-te de beijos quando pedisses e mesmo quando não o fizesses, ter-te deitada no meu colo a fazer-te festas na tua face perfeita. Abraçar-te a cintura daquela forma que tu tanto gostas e ao qual responderias envolvendo-me o pescoço com os teus braços, e tocar assim muito lentamente nos teus lábios com os meus.
Custa... mesmo muito. Mas se for esse o maior problema, então por agora quero certamente continuar a tê-lo, pelo simples facto de valer a pena. Contigo qualquer coisa valeria a pena, fizeste-me acreditar que era possível, demonstraste-me que podia amar alguém a sério, que o conceito de amor realmente existe e não é apenas mais um dos muitos mitos literários, é algo que pode existir, desde que seja puro e sincero, intenso e indefinido. Ensinaste-me que não é algo que se consiga descrever eficazmente, não é possivel... Como se pode descrever o maior dos sentimentos? O sentimento que dá vida, que faz e cria o homem? É simplesmente impossível, mas ainda assim quero procurá-lo mas não sozinho... quero fazê-lo contigo. Pode levar um dia, uma semana, meses ou anos, mas tu és de certeza a pessoa com quem o quero fazer. Ninguém mais conseguiria ter este efeito em mim, consegues preencher o vazio que tinha. Se soubesses o aperto com que fico quando não falo contigo há pelo menos uma hora. Talvez não devesse ficar tão agarrado a alguém, talvez... Mas que estou eu a dizer? Eu quero ficar agarrado a ti, sei que o posso fazer, confio que nunca me irás falhar, que estarás sempre lá. Tendo alguém assim, como posso eu sequer considerar essa hipótese?
Adoro pensar em ti, pensar nesse sorriso que te rasga a cara e me ilumina, esse olhar que parece tímido ao inicio mas que entra tão profundamente no meu e me maravilha. Esses cabelos que caem de força quer ordenada quer desordenada.
Pensar em ti eléctrica como gostas de ser, de não parar quieta, de saltar, de cantar, imaginar-te feliz, adoro imaginar-te a sorrir, porque sei que assim aproveitas a vida e me fazes aproveitar a minha.
Fazes-me mais feliz do que alguma vez alguém poderia fazer. Conheces-me melhor do que eu mesmo, tens sempre a palavra certa para dizer no momento certo, ajudas-me tanto...
Amo-te
"...It found its way, couldn't be any other."
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Unidade
Todos os dias acordo a pensar no quanto mudaste em mim, na melhor pessoa em que ao longo dos tempos me tens vindo a tornar, em tudo o que me ensinaste e continuas a ensinar. A cada dia que passa mais fascinado e interessado por ti me sinto, mais te quero conhecer e dar-me a conhecer a ti. É incrível a necessidade de ti que tenho em mim, o quão preciso de estar contigo e o quão profundamente me completas.
Como em uma mensagem me consegues fazer sorrir ou corar, como me aqueces naqueles dias frios com o simples calor das tuas palavras. Seria totalmente irracional vindo de outra pessoa, mas vindo de ti parece tão certo, tão sentido e totalmente sincero; como poderia eu oferecer resistência a tais palavras?! Constituem todo o meu conforto no dia a dia, não consigo passar sem elas, são tudo o que preciso para que cada dia seja perfeito.
Não imaginas o aperto com que me consegues deixar, um aperto de desejo, de amor, de que abraçar e poder envolver, de querer estar sempre ao teu lado. Não o conseguiria evitar mesmo que quisesse, tentei-o mas estava condenado a esse fracasso desde antes do ínicio.
Estava 'condenado' a ficar contigo e para ti, nada me poderia fazer mais feliz, nada poderia dar-me mais sentido do que tu, que sempre me compreendeste e ouviste, apenas tu o poderias fazer e enfeitiçar-me desta forma. Quero-te mais e mais, ainda mais do que ontem e menos do que amanhã, não pode parar de aumentar dado que nunca paras de me fascinar e deslumbrar.
És a única pessoa que me consegue deixar 'melhor' com palavras, apenas as tuas palavras me conseguem tocar tal é a sinceridade e o amor com que o fazes.
A início pensei que representasses a perfeição que sempre procurei mas cedo percebi que estava errado... Não poderias ser algo tão restringido, tinhas de ser muito mais, tinhas de ser tu, tinhas de me completar muito mais do que algum dia esperaria ser, o facto de existires por si só já me faz sentir feliz, mas o facto de me amares faz-me sentir muito mais do que isso, faz-me sentir vivo, deu-me um objectivo concreto, algo que quero e irei fazer, algo que nunca deixarei ninguém algum dia negar, vou ficar sempre do teu lado sem nunca te deixar. Amo-te
Meant to be...
Como em uma mensagem me consegues fazer sorrir ou corar, como me aqueces naqueles dias frios com o simples calor das tuas palavras. Seria totalmente irracional vindo de outra pessoa, mas vindo de ti parece tão certo, tão sentido e totalmente sincero; como poderia eu oferecer resistência a tais palavras?! Constituem todo o meu conforto no dia a dia, não consigo passar sem elas, são tudo o que preciso para que cada dia seja perfeito.
Não imaginas o aperto com que me consegues deixar, um aperto de desejo, de amor, de que abraçar e poder envolver, de querer estar sempre ao teu lado. Não o conseguiria evitar mesmo que quisesse, tentei-o mas estava condenado a esse fracasso desde antes do ínicio.
Estava 'condenado' a ficar contigo e para ti, nada me poderia fazer mais feliz, nada poderia dar-me mais sentido do que tu, que sempre me compreendeste e ouviste, apenas tu o poderias fazer e enfeitiçar-me desta forma. Quero-te mais e mais, ainda mais do que ontem e menos do que amanhã, não pode parar de aumentar dado que nunca paras de me fascinar e deslumbrar.
És a única pessoa que me consegue deixar 'melhor' com palavras, apenas as tuas palavras me conseguem tocar tal é a sinceridade e o amor com que o fazes.
A início pensei que representasses a perfeição que sempre procurei mas cedo percebi que estava errado... Não poderias ser algo tão restringido, tinhas de ser muito mais, tinhas de ser tu, tinhas de me completar muito mais do que algum dia esperaria ser, o facto de existires por si só já me faz sentir feliz, mas o facto de me amares faz-me sentir muito mais do que isso, faz-me sentir vivo, deu-me um objectivo concreto, algo que quero e irei fazer, algo que nunca deixarei ninguém algum dia negar, vou ficar sempre do teu lado sem nunca te deixar. Amo-te
Meant to be...
domingo, 21 de dezembro de 2008
Reescrevendo: Fantasmas Passados
Imaginem o aspecto de um mundo após um conflito global: pobreza, países arruínados, nos quais reina a mais pura e simples anarquia. Um mundo que acorda todos os dias na expectativa de aquela realidade ser apenas mais um sonho mau, um sonho do qual irá eventualmente acordar e então tudo estará coberto por prados verdejantes, vislumbrando-se no fundo a típica montanha gelada.
A palavra normalidade perdeu o significado(ou pelo menos o que consta de um qualquer dicionário). Nada pode ser normal num mundo no qual o dia seguinte é em tudo idêntico ao anterior.
Nada excepto o moroso e fastidioso fluir da hora. Nada é mais certo ou fatal em tal mundo.
Acontece que, desta vez, nada do que tem lugar é devido a um conflito. È algo que ainda permanece envolto em mistério e para o qual nunca ninguém achou uma explicação. Esse mundo simplesmente acordou e apercebeu-se de que tudo estava diferente. O Sol já não brilhava nem os pássaros cantavam de manhã, os céus eram cobertos por pesadas nuvens, aqui e ali soberbos relâmpagos trovejantes rasgavam os céus.
E se eu vos dissesse que nesse mundo existia alguém capaz de mudar tudo isso? Sim eu sei, fechariam logo a página e seguiriam com as vossas vidas, mas não o vou dizer pois estaria a intrujar quem eventualmente esteja a ler.
Um homem não faz a diferença, quanto muito contribui para ela, quem tentar convencer o ser humano do contrário é, obviamente, insano.
No entanto, nesse mundo não faltaria quem acreditasse em tal boato. É sempre bom existir esperança, mesmo quando sabemos que é impossível. (É isso que motiva o homem, desde sempre e para sempre). E não faltaria, logicamente, quem forçosamente se candidatasse ao posto; é um aspecto predominante e fascinante da nossa raça. Queremos sempre ser algo mais do que singelos humanos com as suas limitações biológicas. Acha-se sempre que não se pode ser algo tão limitado num mundo colossal.
Tudo nesse mundo estava envolto em mistério, desde onde se vinha até para onde era suposto ir parar.
Muitos foram os que em vão o tentaram compreender, e o resultado era sempre o mesmo. Eram encontrados inanimados sem razão aparente. O corpo estava vivo, o sangue fluía rápido pelas veias, o coração batia; mas a expressão facial era sempre a mesma: de congelamento.
Parecia que essas pessoas tinham sido simplesmente 'paradas' no tempo, como se tivessem ficado confinadas aquelas fracções de segundo para uma eternidade incerta. Um fado, portanto, pior do que a própria morte.
Para muitos a morte representa libertação, da alma, espírito ou o que lhe quiserem chamar, não sendo morte, o destino dessas pobres almas, esse sim, é uma prisão. A mente permanece confinada à imobilidade de um corpo que já não atende aos pedidos do cérebro..
Se ao ínicio eram acontecimentos isolados, a certa altura algo aconteceu e passou a afectar quem, de uma maneira ou de outra, esteve envolvido nessa busca, desde simples pessoas que financiaram pesquisas, até aos responsáveis pelas mesmas. Parecia que algo ou alguém não queria que tal assunto fosse sequer tocado. Todos estes acontecimentos, aparentemente paranormais, provocaram um medo que rapidamente se tornou global, tal e qual como a miséria.
Ao longo dos anos, em grande parte devido ao medo (essa kryptonite dos bravos) o assunto caiu no esquecimento. O mundo foi recuperando como lhe foi permitido e eventualmente tornou-se um local melhor, não como muitos ainda preservavam na memória, mas certamente melhor do que as montanhas de betão desfeito de outrora.
Nos dias que corriam, os tempos de escuridão nada mais representavam do que uma leve e distante recordação que muitos tentavam a todo o custo esquecer, a qual não demorou até ser convertida em mito pelos diversos cultos. Desde os mais levianos e razoáveis que aceitaram esses tempos da mesma maneira como aceitaram a idade do gelo ou a extinção dos dinossauros (designando-os como a 'Idade da desolação') até aos mais extremistas (esses que consideram que todos os males do mundo são uma qualquer punição de uma força metafísica, seja ela um Deus ou uma pedra cósmica) que os designaram como sendo a punição divina à podridão humana. Havia ainda quem considerasse esses tempos como sendo: 'As Portas do Apocalipse'. Tolos, sabiam lá eles que tempos haviam sido aqueles, quanto mais a que se deviam.
Como todo e qualquer acontecimento também este havia sido catalogado como algo 'passado e irrelevante'. E assim, caindo no esquecimento total e mantido apenas nos corações dos velhos livros poeirentos das mais antigas bibliotecas, era como se esses tempos não tivessem existido. Vários anos de história humana tinham sofrido assim o mesmo destino que as pobres almas que os tentaram compreender: o congelamento no tempo.
Mas como já deve ser notório por esta altura, a única coisa capaz de escapar ao congelamento no tempo é o próprio tempo, e esse foi o primeiro grande erro do homem...
(e talvez o último).
quarta-feira, 28 de maio de 2008
Fantasmas Passados 1976 - Capítulo II - Xadrez Humano
Manuel saira do bar era já noite cerrada, aquele enorme sobretudo dava-lhe um ar imponente, fazia lembrar os antigos oficiais da Wehrmacht, as nuvens que haviam permanecido naquele imenso céu durante todo o dia haviam desaparecido e agora era possível ver o céu totalmente estrelado, no entanto havia-se levantado uma ventania incomodativa, a qual indicava que as nuvens voltariam, quem sabe se os seus problemas que agora pareciam tão afastados não voltariam também, e este presságio foi tomado como uma certeza.
Passada após passada, cruzava aquela cidade que apesar deserta e ainda mais escura parecia convidar para um longo passeio de modo a desfrutar de uma calma que de dia não existe. Enquanto passava por um parque reparou em 2 pássaros empoleirados num ramo e encostados um no outro...Agora até uns quaisquer animais troçavam da sua solidão, que raio se passava, porque razão tudo isto estava a acontecer tão subitamente, durante dez anos nada nem ninguém lhe haviam suscitado comportamentos ou emoções humanas, nas 6 horas passadas tudo parecia ter voltado à vida em si, as emoções, os sonhos, até os medos que há dez anos o haviam abandonado de tão tormentosa que era a sua mente.
Deu mais uns passos até que reparou em alguém que se encontrava sentado num muro á beira rio, curioso aproximou-se na esperança de pelo menos poder partilhar da companhia e daquele luar sombrio.
Chegado ao pé do vulto sem ter dito uma única palavra apenas ouviu:
-Venho para aqui acima de tudo ouvir, e que ouço eu? O silêncio da noite, os gritos mudos das folhas que caem em direcção ao rio ou das gotas de água que escorrem pelos candeeiros, o pó que sozinho se levanta e viaja até onde o vento o levar... Sim... Para ouvir...
Ouvir o que normalmente não tem som, ver o que não pode ser visto, sentir o que não existe, ser o que não fomos...de pouco adianta agora, até um dia destes meu jovem...e lembra-te, não existe o nunca.... Apenas uma infinidade de contradições...
Dito isto afastou-se deixando Manuel profundamente calado mas ao mesmo tempo surpreso, há muito que não ouvia algo assim, aquela voz rouca e grave dava a ideia de uma pessoa de idade mas o entusiasmo com que havia sido dito sugeria alguém jovem e ansioso por viver, este antagonismo era realmente inquietante, sem ouvir com os olhos sentia-se perdido, não sabia se deveria considerar aquele monólogo como um legado de toda uma vida gasta ou a expectativa de toda uma vida pela frente Seria um ensinamento ou um devaneio tolo? Estava realmente tudo contra ele, mas que fazer? Sentia-se pequeno perante aquelas palavras ditas de forma serena mas sólida.
Ele é que se havia aproximado do vulto, não havia sido chamado, ouviu porque queria ouvir, no fim de contas era isso que pretendia de inicio, ouvir, e naquele momento ouvia muito mais do que alguma vez ouvira, o silêncio parecia mesmo murmurar algo para com as folhas ou as gotículas de água, quem sabe se não seria a história daquele estranho personagem que... nesse momento reparou em algo a abanar levemente ao sabor daquela brisa que se havia levantado, um papel, OUTRO PAPEL! Apressara-se a agarrá-lo antes que este tivesse oportunidade de fugir para longe dali, desdobrou-o e numa letra algo ilegível conseguiu ler:
"Através das eternas ondas do tempo ele virá
tal como da pequena onda nascerá a tormenta"
Ficara simplesmente petrificado, agora mais do que nunca estava convencido que aquele homem não havia dito aquilo apenas para parecer bonito, ele sabia algo que lhe escapava, era necessário a todo o custo achá-lo, mas não seria àquela hora nem tão pouco naquele estado que o faria, era preciso cabeça fria acima de tudo. Optou por isso por guardar aquele estranho papel e analisá-lo novamente mais tarde.
Enquanto caminhava mais decidido do que nunca a fechar aqueles dez anos da sua vida e com eles todos os demónios que deles se alimentavam, uma enorme melancolia tomou posse sobre o seu corpo durante os minutos que se seguiam, era muita coisa a acontecer ao mesmo tempo, para muitas ainda não havia arranjado uma justificação nem tão pouco uma razão, estava completamente as escuras, tal e qual como a rua para onde se dirigia...
A meio da rua apercebera-se de que estava a ser seguido, conseguira distinguir três vultos por entre as sombras mas nada lhe garantia que não houvessem mais, seria totalmente irreflectido correr ou executar qualquer acção... Estava preso num xadrez humano que não pretendia jogar e como é sabido, as brancas começam...
C O N T I N U A
Passada após passada, cruzava aquela cidade que apesar deserta e ainda mais escura parecia convidar para um longo passeio de modo a desfrutar de uma calma que de dia não existe. Enquanto passava por um parque reparou em 2 pássaros empoleirados num ramo e encostados um no outro...Agora até uns quaisquer animais troçavam da sua solidão, que raio se passava, porque razão tudo isto estava a acontecer tão subitamente, durante dez anos nada nem ninguém lhe haviam suscitado comportamentos ou emoções humanas, nas 6 horas passadas tudo parecia ter voltado à vida em si, as emoções, os sonhos, até os medos que há dez anos o haviam abandonado de tão tormentosa que era a sua mente.
Deu mais uns passos até que reparou em alguém que se encontrava sentado num muro á beira rio, curioso aproximou-se na esperança de pelo menos poder partilhar da companhia e daquele luar sombrio.
Chegado ao pé do vulto sem ter dito uma única palavra apenas ouviu:
-Venho para aqui acima de tudo ouvir, e que ouço eu? O silêncio da noite, os gritos mudos das folhas que caem em direcção ao rio ou das gotas de água que escorrem pelos candeeiros, o pó que sozinho se levanta e viaja até onde o vento o levar... Sim... Para ouvir...
Ouvir o que normalmente não tem som, ver o que não pode ser visto, sentir o que não existe, ser o que não fomos...de pouco adianta agora, até um dia destes meu jovem...e lembra-te, não existe o nunca.... Apenas uma infinidade de contradições...
Dito isto afastou-se deixando Manuel profundamente calado mas ao mesmo tempo surpreso, há muito que não ouvia algo assim, aquela voz rouca e grave dava a ideia de uma pessoa de idade mas o entusiasmo com que havia sido dito sugeria alguém jovem e ansioso por viver, este antagonismo era realmente inquietante, sem ouvir com os olhos sentia-se perdido, não sabia se deveria considerar aquele monólogo como um legado de toda uma vida gasta ou a expectativa de toda uma vida pela frente Seria um ensinamento ou um devaneio tolo? Estava realmente tudo contra ele, mas que fazer? Sentia-se pequeno perante aquelas palavras ditas de forma serena mas sólida.
Ele é que se havia aproximado do vulto, não havia sido chamado, ouviu porque queria ouvir, no fim de contas era isso que pretendia de inicio, ouvir, e naquele momento ouvia muito mais do que alguma vez ouvira, o silêncio parecia mesmo murmurar algo para com as folhas ou as gotículas de água, quem sabe se não seria a história daquele estranho personagem que... nesse momento reparou em algo a abanar levemente ao sabor daquela brisa que se havia levantado, um papel, OUTRO PAPEL! Apressara-se a agarrá-lo antes que este tivesse oportunidade de fugir para longe dali, desdobrou-o e numa letra algo ilegível conseguiu ler:
"Através das eternas ondas do tempo ele virá
tal como da pequena onda nascerá a tormenta"
Ficara simplesmente petrificado, agora mais do que nunca estava convencido que aquele homem não havia dito aquilo apenas para parecer bonito, ele sabia algo que lhe escapava, era necessário a todo o custo achá-lo, mas não seria àquela hora nem tão pouco naquele estado que o faria, era preciso cabeça fria acima de tudo. Optou por isso por guardar aquele estranho papel e analisá-lo novamente mais tarde.
Enquanto caminhava mais decidido do que nunca a fechar aqueles dez anos da sua vida e com eles todos os demónios que deles se alimentavam, uma enorme melancolia tomou posse sobre o seu corpo durante os minutos que se seguiam, era muita coisa a acontecer ao mesmo tempo, para muitas ainda não havia arranjado uma justificação nem tão pouco uma razão, estava completamente as escuras, tal e qual como a rua para onde se dirigia...
A meio da rua apercebera-se de que estava a ser seguido, conseguira distinguir três vultos por entre as sombras mas nada lhe garantia que não houvessem mais, seria totalmente irreflectido correr ou executar qualquer acção... Estava preso num xadrez humano que não pretendia jogar e como é sabido, as brancas começam...
segunda-feira, 12 de maio de 2008
Fantasmas Passados 1976 - Prelúdio.
Era uma fria tarde de Novembro, por entre as poças de água e olhando para as fachadas sombrias de velhas casas abandonadas, das quais apenas o tempo tem noção da idade, alguém andava como se não soubesse ao certo para onde se dirigir, agora que pensava nisso não sabia bem porque razão caminhava tão apressadamente, tinha tempo de sobra para aquele encontro, eram dezassete horas e vinte e cinco minutos, havia combinado ás dezoito horas e trinta minutos à porta daquele já familiar edifício, era quase uma segunda casa para ele(não pelas melhores razões), tempo era o que não lhe faltaria contudo, e por uma estranha razão hoje mais do que nunca queria chegar cedo aquele lugar, não sabia bem porque razão mas não ia contrariar tal vontade, os passos largos ecoavam naquela rua, o facto de estar deserta provocava um daqueles ecos típicos de um filme de terror, a isto juntava-se a sua respiração ofegante e estava composta a banda sonora daquele momento...
Uns metros mais à frente a chuva começa a cair, o jovem de 20 anos (cujo nome por agora é irrelevante) apressa mais a passada, nunca gostara muito de chuva, mas naquela altura do ano não vinha mesmo nada a propósito... Lembrava-lhe recordações de criança e da sua mãe, agora falecida vítima dessa sempre malvada tuberculose, custava-lhe especialmente lembrar-se de que desde aquele fatídico dia nunca mais a veria, fazia neste preciso dia dez anos que tal fatalidade ocorrera, e apesar de ter aprendido a viver com isso, era sempre uma data ignóbil, mas esta em particular preparava-se para ser ainda pior, o dia estava a pôr-se de feição para ser uma cópia exacta daquela tarde de Outono de 1986. Quem mais iria estar presente? Desde que perdera a sua mãe ficara entregue ao seu pai até este ter cedido à bebida e a sua tutoria ter sido entregue a uma tia que melhor ou pior o criou. Mas também esta o havia deixado, a vida não lhe era propícia, ainda assim nem por um momento considerara a saída mais fácil, não depois dos sacrifícios que tanta gente fez para que pudesse ter a vida que tinha, não era mais um mal agradecido, tinha de triunfar mas nesse preciso momento a sua confiança e vontade começavam a ser abaladas enquanto era invadido por um misto de recordações dolorosas e marcantes. Naquele momento era ele, só ele...e aquelas ruas vazias que pareciam não ter fim por onde nem o som do vento se conseguia impor, e no entanto ele continuava a caminhar, sem reduzir a passada com os cabelos já molhados e a água a escolher-lhe pela cara tal como um rio que desce uma montanha lenta e angustiosamente.
Eram dezassete horas e dez minutos quando chegou ao seu destino, um hospital. Conhecia-o por ter sido naquele mesmo local que há dez anos lhe haviam dado a triste notícia de que a sua mãe não havia aguentado. Naquela manhã recebera um telefonema a perguntar por ele, foi-lhe pedido que se deslocasse uma vez mais até aquele piso número cinco, sala quatrocentos e nove. Assim o fez...
Quem o atendeu foi uma figura já muito conhecida da sua parte, tinha sido o médico de sua mãe e sua tia quando estas se encontravam em fase terminal, era um homem alto de feições rígidas que aparentava estar na meia ideia, facto que era corroborado pelo seu aspecto facial, barba por fazer, olhos cansados, óculos pendurados ao pescoço pois a idade nem a vista poupa, a sua voz algo rouca denotava um cansaço fora do comum, típico dos médicos que ainda dão algum valor ao estectoscópio que trazem consigo. Havia-o chamado aquele mesmo local onde em tempos o havia amparado com aquelas tristes noticias para lhe entregar algo que lhe havia sido confiado pela sua mãe pouco antes de deixar este mundo, junto com o pedido de apenas ser entregue decorridos dez anos da sua morte. Era um pacote com um aspecto gasto pelo passar dos anos mas que no entanto se encontrava bem conservado e selado tal e qual aquela singela senhora o havia deixado nas mãos do seu bom médico mas acima de tudo, amigo.
Com alguma dificuldade e a tremer abriu o pacote, dentro achou uma velha moeda que reconheceu prontamente e um terço enrolado ao que parecia ser um papel com algo escrito. Ao desenrolá-lo notou que algumas palavras não se notavam e no fim havia uma grande mancha de tinta como se a pessoa que escreveu tal coisa tivesse largado a caneta sobre o papel.
Leu o papel e saiu desalmado do gabinete do médico sem proferir uma única palavra, queria apenas chegar a casa, aquele misto de emoções cedo naquele dia quase que pronunciara isto, não queria acreditar que no seu leito de morte a sua mãe tivesse sido capaz de ver com tamanha precisão o que seria do seu filho findos dez anos da sua morte, mas a verdade é que o fez e isso emudecera-o por completo, durante dez anos forçara-se à ideia de que conseguiria ultrapassar isso mas o facto é que não conseguira e aquela carta aparentava ser muito mais do que apenas uma mera previsão. Acreditava que algo mais estaria encerrado naquelas linhas escritas a pena mas não o aceitava. Decidiu parar pelo seu bar habitual para tomar alguma coisa e se refazer do choque a que tinha sido sujeito. Pediu um Whiskey duplo enquanto por uma vez mais desenrolava aquele pedaço de papel. Uma jovem que se encontrava ao seu lado não pode deixar de desenvolver um enorme interesse por aquele vulto, a maneira como estava vestido( em tons escuros como se toda a alegria se lhe tivesse sido tirada) aliada á sua constituição física e à sua expressão fácil tornavam-no de entre os alcoólicos daquele bar o mais interessante. A todo o custo tentou perceber o que lia, até que leu algumas palavras e timidamente se dirigiu ao seu parceiro de balcão:
-Bonito poema, é daqueles que se vê uma vez e nos deixam a pensar, tem bom gosto.
-Desculpe, mas conhece este poema?
-Claro, Fantasmas do Passado de Rosário Cavalcante, à primeira vista parece simples mas nas suas entrelinhas reserva muitas dúvidas e ideias escondidas.
-Compreendo.-dizia, enquanto pela primeira vez em muito tempo olhava para alguém de maneira interessada- Quem sabe se não me poderá ajudar, deixe-me oferecer-lhe uma bebida se não se importar...
Pelas três horas seguintes falaram do que aquele poema poderia esconder, a jovem de seu nome Diana aparentava estar realmente a gostar da companhia e Manuel também aparentava corresponder embora de maneira mais dissimulada, certo é que muita coisa se preparava para ser abalada...
Prelúdio
F I M
Uns metros mais à frente a chuva começa a cair, o jovem de 20 anos (cujo nome por agora é irrelevante) apressa mais a passada, nunca gostara muito de chuva, mas naquela altura do ano não vinha mesmo nada a propósito... Lembrava-lhe recordações de criança e da sua mãe, agora falecida vítima dessa sempre malvada tuberculose, custava-lhe especialmente lembrar-se de que desde aquele fatídico dia nunca mais a veria, fazia neste preciso dia dez anos que tal fatalidade ocorrera, e apesar de ter aprendido a viver com isso, era sempre uma data ignóbil, mas esta em particular preparava-se para ser ainda pior, o dia estava a pôr-se de feição para ser uma cópia exacta daquela tarde de Outono de 1986. Quem mais iria estar presente? Desde que perdera a sua mãe ficara entregue ao seu pai até este ter cedido à bebida e a sua tutoria ter sido entregue a uma tia que melhor ou pior o criou. Mas também esta o havia deixado, a vida não lhe era propícia, ainda assim nem por um momento considerara a saída mais fácil, não depois dos sacrifícios que tanta gente fez para que pudesse ter a vida que tinha, não era mais um mal agradecido, tinha de triunfar mas nesse preciso momento a sua confiança e vontade começavam a ser abaladas enquanto era invadido por um misto de recordações dolorosas e marcantes. Naquele momento era ele, só ele...e aquelas ruas vazias que pareciam não ter fim por onde nem o som do vento se conseguia impor, e no entanto ele continuava a caminhar, sem reduzir a passada com os cabelos já molhados e a água a escolher-lhe pela cara tal como um rio que desce uma montanha lenta e angustiosamente.
Eram dezassete horas e dez minutos quando chegou ao seu destino, um hospital. Conhecia-o por ter sido naquele mesmo local que há dez anos lhe haviam dado a triste notícia de que a sua mãe não havia aguentado. Naquela manhã recebera um telefonema a perguntar por ele, foi-lhe pedido que se deslocasse uma vez mais até aquele piso número cinco, sala quatrocentos e nove. Assim o fez...
Quem o atendeu foi uma figura já muito conhecida da sua parte, tinha sido o médico de sua mãe e sua tia quando estas se encontravam em fase terminal, era um homem alto de feições rígidas que aparentava estar na meia ideia, facto que era corroborado pelo seu aspecto facial, barba por fazer, olhos cansados, óculos pendurados ao pescoço pois a idade nem a vista poupa, a sua voz algo rouca denotava um cansaço fora do comum, típico dos médicos que ainda dão algum valor ao estectoscópio que trazem consigo. Havia-o chamado aquele mesmo local onde em tempos o havia amparado com aquelas tristes noticias para lhe entregar algo que lhe havia sido confiado pela sua mãe pouco antes de deixar este mundo, junto com o pedido de apenas ser entregue decorridos dez anos da sua morte. Era um pacote com um aspecto gasto pelo passar dos anos mas que no entanto se encontrava bem conservado e selado tal e qual aquela singela senhora o havia deixado nas mãos do seu bom médico mas acima de tudo, amigo.
Com alguma dificuldade e a tremer abriu o pacote, dentro achou uma velha moeda que reconheceu prontamente e um terço enrolado ao que parecia ser um papel com algo escrito. Ao desenrolá-lo notou que algumas palavras não se notavam e no fim havia uma grande mancha de tinta como se a pessoa que escreveu tal coisa tivesse largado a caneta sobre o papel.
Leu o papel e saiu desalmado do gabinete do médico sem proferir uma única palavra, queria apenas chegar a casa, aquele misto de emoções cedo naquele dia quase que pronunciara isto, não queria acreditar que no seu leito de morte a sua mãe tivesse sido capaz de ver com tamanha precisão o que seria do seu filho findos dez anos da sua morte, mas a verdade é que o fez e isso emudecera-o por completo, durante dez anos forçara-se à ideia de que conseguiria ultrapassar isso mas o facto é que não conseguira e aquela carta aparentava ser muito mais do que apenas uma mera previsão. Acreditava que algo mais estaria encerrado naquelas linhas escritas a pena mas não o aceitava. Decidiu parar pelo seu bar habitual para tomar alguma coisa e se refazer do choque a que tinha sido sujeito. Pediu um Whiskey duplo enquanto por uma vez mais desenrolava aquele pedaço de papel. Uma jovem que se encontrava ao seu lado não pode deixar de desenvolver um enorme interesse por aquele vulto, a maneira como estava vestido( em tons escuros como se toda a alegria se lhe tivesse sido tirada) aliada á sua constituição física e à sua expressão fácil tornavam-no de entre os alcoólicos daquele bar o mais interessante. A todo o custo tentou perceber o que lia, até que leu algumas palavras e timidamente se dirigiu ao seu parceiro de balcão:
-Bonito poema, é daqueles que se vê uma vez e nos deixam a pensar, tem bom gosto.
-Desculpe, mas conhece este poema?
-Claro, Fantasmas do Passado de Rosário Cavalcante, à primeira vista parece simples mas nas suas entrelinhas reserva muitas dúvidas e ideias escondidas.
-Compreendo.-dizia, enquanto pela primeira vez em muito tempo olhava para alguém de maneira interessada- Quem sabe se não me poderá ajudar, deixe-me oferecer-lhe uma bebida se não se importar...
Pelas três horas seguintes falaram do que aquele poema poderia esconder, a jovem de seu nome Diana aparentava estar realmente a gostar da companhia e Manuel também aparentava corresponder embora de maneira mais dissimulada, certo é que muita coisa se preparava para ser abalada...
Prelúdio
F I M
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